Hospital da Roça Água Izé |
Ontem e hoje, meus últimos em São Tomé e Príncipe, passeei
muito e trabalhei pouco, ainda que eu tenha constantemente dificuldades em
separar um de outro.
Cascata São Nicolau |
A ilha é pequena e em um dia é possível recorrer todo o
país. Não cheguei a tanto, mas vi muita coisa. Uma delas a Cachoeira de São
Nicolau. Bonita, um bom banho, com a força da cachoeira e a água fria lavando a
alma e despertando o corpo, mas o que chama mesmo a atenção é a natureza
exuberante ao seu redor.
Conheci algumas praias lindas. Talvez a mais bonita a das
Sete Ondas, absolutamente deserta, entre duas montanhas verdejantes. Perto dali
vi a Boca do Diabo, uma pequena falésia junto ao mar, onde, do alto, mas não
distante, vemos as ondas correndo sob uma rocha e eclodindo em determinado
ponto onde encontra saída em meio a esta mesma rocha. Belo espetáculo de força
da natureza. A praia da lagoa azul também é linda, assim como a privativa do
Club Santana, um resort que fica a poucos quilômetros da capital São Tomé, onde
por uma taxa é possível desfrutar dos seus aprazíveis e caros serviços. As
estradas ladeando o mar também são um espetáculo. Pena que suas condições de
conservação e o fato de serem estreitas e sem acostamento exigem atenção
redobrada ao dirigir, impedindo o motorista de saborear um pouco mais a bela
paisagem.
Boca do Inferno |
Mas, em que pese a beleza natural das praias e cachoeiras,
não foi isto que eu mais gostei de conhecer aqui em São Tomé. Praias ou cachoeiras
bonitas eu já havia visto. O que vi aqui, e só aqui, foram as Roças.
As Roças são as antigas fazendas de cacau, algumas poucas
de café, que tantas riquezas, a seu tempo, geraram para seus proprietários. Com
uma estrutura admirável. São algumas dezenas na ilha de São Tomé, algumas
poucas na ilha de Príncipe. Originalmente os seus donos eram portugueses e
moravam em Lisboa. Alguns deles vinham ver sua propriedade uma vez a cada dois
ou três anos. Outros nem isto. A roça era tocada por um administrador de
confiança. O trabalho era todo realizado pelos negros que eram trazidos para
cá, vindos principalmente de Angola. Inicialmente como escravos, posteriormente
como escravos disfarçados de assalariados.
Roça Água Izé |
Depois do decreto que acabou com a escravidão nos
território portugueses, em 1875, os negros vinham como trabalhadores livres,
inclusive com contrato assinado que lhes dariam salário e outros benefícios
como escola para os filhos ou cuidados médicos. Papo furado... Uma das Roças
que visitei foi a Monte Café. Eles mantém um Museu do Café, onde pude ver estes
contratos, alguns assinados com impressão digital, o que demonstra que eles não
tinham ideia do que estavam assinando. Pude ver também o livro caixa, onde eram
lançados seus salários e as dívidas que contraiam com os serviços que lhes eram
prestados, como casa e comida. A comida era de péssima qualidade, muitas vezes
farinha e água. Mantinham-se saudáveis e dispostos ao trabalho pela riqueza de
frutos que cresciam e crescem na ilha. Uma delas a fruta-pão.
Fruta - pão |
Visual da Roça Água Izé. Cheia de gente, mas tento tirar foto quando não estão,.. |
A chance de ver uma Roça aqui é voltar no tempo, porque a
paisagem nos remete diretamente aos séculos 18, 19, início do 20. Ainda vemos
as casas, as senzalas, escolas e hospitais, que hoje servem de moradias. As Roças
ainda estão vivas, habitadas, cheirando a passado, impedindo-o de se calar e
trazendo-o para o presente. Algumas delas em ruínas, ainda assim habitadas,
outras transformadas, ao menos uma parte, em lindos hotéis.
A Roça Monte Café hoje está com metade de sua área a procura de um investidor e a outra metade, 250 hectares, dividida pelo governo entre os trabalhadores, que se organizaram em torno de uma cooperativa de Café Biológico (orgânico). Comprei uns pacotes... delicioso! Ali pude ver a senzala, habitada, muita gente, todas as idades. As condições ruins não lhes impede o gesto gentil com os que os visitam. As crianças pedem doce insistentemente. Ainda bem que eu não tinha.
A Roça Monte Café hoje está com metade de sua área a procura de um investidor e a outra metade, 250 hectares, dividida pelo governo entre os trabalhadores, que se organizaram em torno de uma cooperativa de Café Biológico (orgânico). Comprei uns pacotes... delicioso! Ali pude ver a senzala, habitada, muita gente, todas as idades. As condições ruins não lhes impede o gesto gentil com os que os visitam. As crianças pedem doce insistentemente. Ainda bem que eu não tinha.
Museu do Café, Roça Monte Café |
Outra Roça muito interessante que visitei é a Água Izé. Não sei
o que é feito de suas lavouras de cacau. Mas a estrutura, casas, senzala,
hospitais e escola, está em ruínas, mas nem por isto pouco habitada. Fiquei de
fato impressionado e não sou capaz de descrever o que vi. Realmente não sei se
vi pobreza, miséria ou apenas condições diferentes de vida. De todos modos o
que considero o conforto mínimo para satisfazer nossas necessidades não estão
ali presentes.
E a terceira roça que vi e entrei é a Santo Antônio. Esta
foi em parte transformada em hotel, mas ao lado está a senzala e a população
local vivendo nas mesmas condições que não descrevi acima, por total falta de
capacidade de colocar no papel o observado e sentido.
Na Roça Santo Antônio vi um dos quartos do hotel,
localizado na antiga casa do administrador. Estava impecável. Simples e
acolhedor. Escolhi que fico ali quando voltar. Quando volto? Acho que nem Deus
sabe!
Lindo o texto Laercio!
ResponderExcluirGostei da foto do hospital, muito bonita a arquitetura! E ainda bem que não tinha doces para oferecer! Grande abraço! Horácio.
Quanta vida e história há nos trópicos!! Obrigado por emprestar os olhos e pensamentos!
ResponderExcluirComo, se não pelos olhos e pela sensibilidade de um caminhante como tu, conhecer esses lugares tão... "fora do mundo"? A foto do rio-lavadeiras-bananeiras é especial.
ResponderExcluir