Eu entre Esteban e Peggy Miars, presidente de IFOAM |
Os últimos dois dias da Biofach em Nuremberg seguiram na mesma
batida. Visitas a estandes e conversas entre provas de bebidas e comidas
orgânicas, sempre de muita qualidade. Para não ser repetitivo vou contar algo
que vi e achei muito interessante.
O projeto do café está baixo o conceito de CSA - sigla em inglês para Agricultura Apoiada pela Comunidade - Tekey no Japão |
Passando em um dos pavilhões encontrei a
Esteban. Ouço este nome e lembro-me do meu poema preferido “Tabacaria”, de
Fernando Pessoa. Nele, o poeta nomina o “Estevão sem metafísica”. Mas este
que encontrei é outro, e talvez possua boa dose de metafísica em suas ações na
vida. É um jovem que trabalha no México, no Estado de Vera Cruz, produzindo e
assessorando produtores de café Orgânico e Biodinâmico. Parei para saber sobre
seu novo projeto (o conheci na Costa Rica há alguns anos) e o que ouvi chamou a
minha atenção.
Ele está envolvido em, além de produzir,
exportar café premium. Significa café
de alta qualidade. Até aí bem, ele e seus companheiros de trabalho não são nem
os primeiros nem os segundos a fazerem isto. O bonito, inovador e contemporâneo
é o fato de exportarem este produto para a Alemanha em um veleiro. Sim,
veleiro. Significa ao sabor do vento, sem gasto de combustível fóssil e sua
consequente emissão de carbono. Este assunto da emissão do que é denominado
como “gases estufa” é o assunto da hora. As cúpulas mundiais discutem sobre
esta realidade a cada ano, e quase duas centenas de países não conseguem
chegar a um bom termo sobre como o planeta irá lidar para que a catástrofe da
mudança climática impacte menos a vidas das pessoas. Diminuir a emissão destes
gases é um caminho para que esta crônica anunciada do aumento da temperatura do
planeta tenha um fim menos dramático. Este trabalho dá a sua parcela de
contribuição para amenizar o quadro sombrio das previsões.
vinhos, muitos vinhos. |
Alguns podem dizer o que mais ouço: mas
como vamos transportar todo o café do planeta em veleiros? A resposta é: não
sei. Mas sei que com o Titanic que o petróleo significa não deu certo. Então é bom
tentar com alguns botes salva vidas. Porque não ao menos alguns deles serem à
vela? Além disto, nenhuma solução inovadora começa massiva, por definição.
Ah, quase esqueci de dizer que do porto
de chegada, aqui na Europa, até as casas comerciais onde será vendido, o café vai
de bicicleta.
Legal né? Sim. Lá nos setenta nós
diríamos: um barato!
Este projeto de "transporte pelo vento" denomina-se Timbercoast. Não deixem de ver o site, www.timbercoast.com
Os princípios na placa, apontando caminhos. |
Ver este trabalho me leva a refletir que Biofach é uma feira de produtos
orgânicos. A produção orgânica tem suas boas décadas de história e começou com
a persistência de alguns que tiveram a coragem de nadar contra a corrente. E
que corrente! Só o fato da Bayer ter comprado, em 2017, a Monsanto por 66
bilhões de dólares dá uma ideia do seu tamanho. Mas mesmo contra esta poderosa
corrente, nos últimos anos a produção orgânica tem crescido de maneira
significativa. Este crescimento tem seu preço. Precisou, ou julgou que
precisaria, adaptar-se a algumas “regras” de mercado que corrompem alguns dos
princípios que são também fonte do seu sucesso.
Este tipo de “desvio de
princípios” ao mesmo tempo que impulsiona seus números pode também limitá-los.
Afinal, um consumidor quando compra produtos orgânicos aceita pagar algo
mais por entender que está pagando também por uma série de valores implícitos a
esta forma de produção. Se ele vem a descobrir que nem sempre estes valores lhes
são entregues, pode alterar sua decisão de compra. Transporte baseado em
carbono pode sim, no momento pelo qual passa o planeta, neutralizar alguns
destes valores. O mesmo pode ocorrer com a overdose de embalagens plásticas que
vemos aqui na Biofach. Elas também
guardam sua dose de contradição com princípios originais da agricultura
orgânica. Recuperar a ousadia e a criatividade que sempre caracterizaram esta
onda da produção limpa, justa, local e de qualidade é uma
necessidade premente sob risco de criarmos as armadilhas que impedirão o que
trabalhamos por: aumento significativo da produção e consumo de produtos
orgânicos. Quando vejo trabalhos como este do transporte à vela aqui na Biofach meus olhos dançam e a esperança brilha.
Festa do país anfitrião - neste ano, Marrocos |
Minha sexta e sábado foram marcadas
pela Biofach. Na sexta, a
tradicional festa bombou, com cerca de 400 participantes, tendo Marrocos como
país anfitrião. Eu saí oito e meia porque já sou um velho cansado e não tenho
autorização para participar deste tipo de evento, mas no dia seguinte soube que
os últimos incautos foram expulsos do local às três da manhã.
Sábado tive o prazer de rever e jantar
com meu amigo Manuel Amador. Deixo aqui o registro.
Praça principal. linda! |
E hoje, domingo, passei o dia todo aqui. Estava frio
agradável. Caminhei pela cidade velha, fui até o Castelo de Nuremberg, passei pela rua Weissgerbergasse, minha favorita daqui, fui na igreja de São Sebaldo que é do século
XIII, e na casa museu do Albrecht Durer, o famosíssimo pintor alemão, que, durante anos, residiu nesta cidade.
O comércio aqui não funciona no domingo. Como é bom um domingo sem compras...
O comércio aqui não funciona no domingo. Como é bom um domingo sem compras...
Como o café da manhã no hotel Victoria, para onde
vim ontem, é um espetáculo, pulei o almoço tomando só um café na praça
principal onde havia um cantor que me inebriou com sua música. Frio, gente para
lá e para cá, sol tímido pensando em sair, neve nos cantos sombreados,
lindamente contrastados com o reggae que pairava no ar, quase trazendo a
maresia.
Depois disto foi só jantar no restaurante
Trofelstuben. Chucrute, maionese de batata, salsicha,
paleta de porco e dumbling (acho que de trigo, mas também poderia ser fécula de batata). De sobremesa um apfelstrudel com sorvete. Bela
comemoração de aniversário, amanha chego aos 53 anos. Amanhã saio para Frankfurt, de lá para casa. Bom
regresso para mim!
Auto-retrato - Durer |
Dumbling de trigo?
ResponderExcluirPode estar cansado...mas tens a alma jovem!