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O Tejo visto do Cais do Sodré |
Cheguei ontem a Lisboa, amanhã cedo saio
rumo a São Tomé e Príncipe. Está parada aqui foi apenas para respirar um pouco,
passear, comer bacalhau e ter uma pequena reunião que ocorreu hoje pela tarde,
com o representante da FAO em Portugal e sua assistente, para conversar sobre
um possível apoio para o desenvolvimento dos SPGs, Sistemas Participativos de
Garantia, nos países lusófonos. Veremos. Junto comigo estava a Flavia, uma
amiga que trabalha na IFOAM - Federação Internacional dos Movimenta de
Agricultura Orgânica. IFOAM é quem está me convidando para ir a São Tomé e
Príncipe. De resto foi passear e comer. Bolinho de bacalhau, bacalhau ao forno,
bacalhau ao Brás! E vários pastéis de nata, um dos doces mais famosos da rica culinária
portuguesa. Dureza...
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Visual do Museu Fundação Calouste Gulbenkian |
Por uma feliz coincidência, hoje foi o
dia do Museu em Lisboa, o que significa que todos estavam de portas abertas, for free. Eu, que adoro museu e não
resisto a um 0800, juntei um e outro
e aproveitei para visitar alguns. Às dez da manhã já estava na porta do mais
bem avaliado de Lisboa, a Fundação Calouste
Gulbenkian. Uma impressionante coleção particular, com obras as mais
variadas, não apenas pictóricas. Interessante pensar no indivíduo que passa a
vida inteira colecionando obras de arte. Como seria o olhar dele sobre o mundo,
que mirada estética ele colocava sobre o que via, como identificava o que lhe
interessava e quais fatores incidiam na tomada de decisão de uma compra. Posso
imaginar que algumas delas caríssimas. Peças de diversas culturas, tapetes
orientais enormes de 3, 4, 5 séculos de existência, vasos chineses também
antiquíssimos, quadros de Degas, Millet, Tuner, Monet. Esculturas
de Rodin.
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Willian Tuner, no Calouste Gulbenkian |
Enfim, um Museu lindíssimo.
É uma viagem pensar que todas as obras eram de um só colecionador. Completa o
cenário uma bela cafeteria, lounge
para apresentações, um parque muito bem cuidado, exposições temporárias
convidadas. De fato um lugar para passar horas. Mas eu não tinha tantas horas,
e antes do meio dia já estava indo para minha parada obrigatória em Lisboa, a
casa de Fernando Pessoa.
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Casa de Fernando Pessoa |
Além de ser meu poeta preferido, sempre
que leio algo dele, ou sobre ele, descubro uma novidade. Hoje, por exemplo,
soube que seu famoso baú ainda guarda cerca de três mil documentos a serem
decifrados. Este baú foi encontrado na sua casa, quando da sua morte, repleto
de papéis. Os escritos vem se tornando públicos pouco a pouco ao longo de
décadas. Ele escreveu freneticamente durante sua vida. No seu quarto, nesta
casa que visitei, está, além da sua cama, a escrivaninha famosa onde surgiu o
seu heterônimo mais importante: Alberto Caeiro. Vou reproduzir aqui o que ele
escreveu a um amigo, Adolfo Monteiro, em 13 de Janeiro de 1935, numa carta
bastante conhecida entre admiradores e estudiosos de sua obra:
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A cômoda do nascimento de Alberto Caeiro |
... Ano e meio, ou
dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro — de
inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não
lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o
poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de
Março de 1914 — acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a
escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos
poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi
o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um
título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém
em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo
da frase: aparecera em mim o meu mestre...
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Réplica do baú de Pessoa. O original está com um privado |
Entender Pessoa não é fácil. Eu desisti
há muito tempo. Só leio e aproveito as sensações que advém da leitura.
Para completar meu passeio por museus fui
à casa de Amália Rodrigues, a fadista portuguesa que levou o nome do seu país
ao mundo. Não acho que no Brasil tenhamos uma ou um artista que significa para
o país o que Amália significa para Portugal.
Sua casa é linda, na maior parte mantida
tal e qual era quando ela vivia ali e percorrer seus cômodos é conhecer mais de
sua vida e caminhar sobre lembranças. Minha mãe gostava muito de Amália, assim
como toda uma geração de brasileiros que a viu gravar e se apresentar em nosso
país por décadas, dos anos 1940 até os anos 1970.
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Lisboa visto desde a Alfama! |
E entre tudo isto ainda pude caminhar muito.
Ontem, quinta-feira, ao entardecer, pelo Rossio, passando pelo Arco da Augusta,
Tejo a partir do Terreiro do Paço e caminhando pela sua margem até o Cais do
Sodré. Fui também ao Chiado, parando no café A Brasileira para ler um pouco no
mesmo local que Fernando Pessoa frequentava.
Hoje caminhei pela linda e nostálgica
Alfama. Aliás, terminei o dia neste bairro, comendo bacalhau e ouvindo Fado em
um pequeno restaurante, em uma construção de mais de 400 anos. Segundo o Pedro, dono desta casa de Fado que
fui, o Fado nasceu nas caravelas, na época das grandes navegações, quando, ao
escurecer, para espantar o medo da noite e o temor do desconhecido, os
marinheiros começavam a declamar os versos de Camões, o universal poeta de
língua portuguesa.
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Arco da Augusta |
Da declamação saudosa à música, da música ao Fado, que,
portanto, é filho da saudade. Pedro, fã de Camões, tem também sua verve de
poeta e a poesia navega fácil entre suas palavras... ele ainda completa: era o
Fado, saudade musicada, que trazia os marinheiros de volta...
Adoro o lirismo poético da alma lusitana.
Valeu minha parada em Lisboa. Amanhã
viajo para São Tomé e Príncipe. Conto de lá!
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Pedro e seu restaurante A Viela do Fado |
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Rua Augusta, coração de Lisboa |
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Achei esta rua... Minha Santa de devoção... |
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Chiado |
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Monet |
Sucesso e avante!
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