Eu e meus anfitriões. |
Vivemos muitos tempos ao mesmo tempo, cruzados em
determinado espaço. Acho que do ponto de vista da física esta afirmação está
equivocada, mas não sei expressar de outro modo o que tenho visto aqui na Índia
e em particular o que vivi nestes dois últimos dias.
O grupo da viagem, 42 pessoas. |
Segunda feira, dia 13, saímos de Délhi à meia
noite, longas cinco horas depois do previsto, em direção ao Norte do país, uma cidade chamada Nainital, já Cordilheira do Himalaia. De
lá seguimos para a vila Supi Ramgarh,
uma comunidade rural relativamente isolada. Para cruzar os menos de 35O km
foram onze horas de caminho em uma Van para 16 pessoas, apertada e
desconfortável. A viagem pelas estradas estreitas, sem acostamento, curvas
fechadas, com gente caminhando às suas margens e a forma camicaze como eles
dirigem não foi exatamente agradável. Mas os dois dias e uma noite que passamos
lá foram muito interessantes.
Vista de parte da vila Supi Ramgarh |
Ficamos, como eu disse, em uma comunidade de
agricultores, nos hospedando com eles em pequenos grupos de duas ou três
pessoas. Mais precisamente agricultoras, porque foi um consenso entre os
visitantes que quase só vimos mulheres trabalhando no campo.
Nosso quarto - onde melhor dormi em toda minha viagem |
Os visitantes fomos agrupados em grupinhos de dois ou três e fomos para diferentes casas, onde nos alojaram quartos
de hóspedes que eles construíram com apoio de alguma ONG. Muito legal. Eu e Marcelo fomos afortunados com nossos anfitriões. Seus
nomes: Shankar Bisth e Chandra Dave e os filhos Krishna e Vikram. Os jovens falavam um inglês suficiente para a comunicação,
o pai só algumas palavras e a mãe, sempre lindamente vestida, nada. Ainda assim
nos entendemos, com um namastê, um thanks ou alguns gestos. Nos trataram
muito bem, com destaque especial para a comida preparada com muito esmero, a melhor que comi nestes dias, à base de
produtos cultivados por eles e servida no chão, sobre uma toalha sempre limpa.
Os banheiros eram fora de casa, o que em algumas zonas rurais do Brasil é ainda comum, um para banho de caneca e
outro com uma patente ao chão, o que nos exige joelhos fortalecidos. Tudo muito
bem cuidado.
Ferrarreria do povoado |
Deixa eu voltar um parágrafo e dar um exemplo do
que tentei dizer sobre os tempos cruzados. Aqui na comunidade tem um ferreiro.
Muito muito artesanal. Forno bem pequeno para temperar o ferro, pedra para
batê-lo, fole tocado à mão via uma manivela para maior eficiência. Vi marretas,
plainas e foices feitos de forma totalmente artesanal. E na mão do ferreiro um
celular. Uma atividade profissional anterior à revolução industrial turbinada
por uma tecnologia que só se popularizou no século XXI. Sempre gosto destas
cenas e não é a primeira vez que descrevo algo assim no blog. Aqui vi vários
exemplos como este, mas não só aqui, com olhos atentos veremos que muitos
tempos se entrecruzam nos nossos cotidianos.
Ontem depois do almoço descansamos um pouco da noite não dormida e
demos uma volta pela comunidade. Cedo se fez noite e depois do luxuoso jantar
nos recolhemos. Não sem antes ter a oportunidade de ver a senhora Chandra preparar o chapati, o pão mais comum por aqui, na sua própria cozinha, simples
e bem equipada, com utensílios de primeira, principalmente de aço inoxidável.
Comemos chapati com dois pratos
diferentes, um à base de batata e outro à base de folhas de mostardas. Tanto no
almoço quanto na janta nos ofereceram um pote de iogurte natural, muito bem
feito por eles.
Na cozinha, com a Chandra |
Ao escurecer a temperatura começou a cair, e
muito, afinal estávamos a mais de dois mil metros de altura. Nosso anfitrião
trouxe para nosso quarto uma pequena “lareira portátil”, com brasas ardendo
sobre um recipiente de latão. Um braseiro. Para tudo neste mundo há uma solução simples e
barata...
Acordamos hoje, eu e o Marcelo, quase nove da manhã,
depois de onze horas de sono quase direto, quebrado por um xixi encapotado e ao
tempo gélido (menos de dez graus). Tomamos um chá de massala, ficamos
conversando um pouco sobre a lida deles e fomos passear, visitando casas na
mesma Montanha, algumas delas também com pessoas do nosso grupo. Sim, a Montanha com maiúscula é de propósito.
Não sei se pela época, com as lavouras de verão já colhidas, mas talvez o
cultivo anual que eu tenha mais visto aqui seja maconha, dentre pomares de maçã que dominam as áreas cultivadas. O senhor me contando que
fuma e fica assim ó: neste momento ele pôs suas mãos ao ar, esticou seus braços
na lateral, fechou os olhos e meteu um sorriso no rosto. Ri muito...
"Lareira" portátil. |
Almoçamos, trocamos fotos e presentinhos, nos
despedimos e descemos a montanha, nos encontrando com todo o grupo outra vez.
Mais fotos e começamos a longuíssima viagem de volta. Pneu furado,
engarrafamento ao cruzar algumas cidades, banheiro, lanches e janta (no
restaurante de um Hotel Radisson que estava à beira da estrada. Acho que alguns
europeus queriam um ar mais refinado...). E ainda teve uma longa discussão
entre os motoristas e nossos anfitriões, renegociando valores relativos às gorjetas da viagem, só
resolvida com a chegada da polícia. Como a conversa toda durou mais de uma
hora, depois da meia-noite, foi em híndi e eles não me contaram nada, eu mesmo
coloquei legenda... Tudo isto fez a viagem de volta ser ainda mais longa. Um
total de 16 horas para 350 km. Duvida? Você não imagina as coisas que acontecem
neste país... Eram seis da manhã quando chegamos ao ponto de partida. Peguei um
táxi para o hotel em que ficarei nas próximas duas noites, onde cheguei às sete
da manhã. Este dia que começa conto amanhã. Tenho só dois dias de Deli antes de
voltar para casa!
Almoço luxuoso |
Pimentas, ervilha, feijão e maconha... |
A Van... |
A Van por dentro... pensa... |
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