
Estátua de Santa Clara, século XVII
Chegamos em Cartagena no início da tarde de uma quinta-feira, dia 02 de outubro. Do aeroporto pegamos um táxi, que achamos pelo aplicativo Didi, com a devida negociação por fora do app, e levamos uma hora e meia para chegarmos no nosso hotel, o Sofitel Baru Calablanca. Fica na ilha de Baru, na praia de Calablanca e, por tanto, seu nome está mais do que justificado. Escolhemos esse hotel porque gostamos muito dessa bandeira, os preços estavam razoáveis e decidimos não ir a San Andrés, a paradisíaca ilha do Caribe colombiano. E como praia não é o forte da cidade de Cartagena, fomos visitar as águas transparentes, calmas e quentes do Caribe neste hotel. Não nos pareceu uma escolha ruim...
O
hotel é espetacular. Os apartamentos estão espalhados em vários blocos de cinco
andares, dispostos na encosta do morro que circunda uma pequena praia, e que
não agridem tanto a paisagem. Todos os quartos têm vista para o mar. As
dependências são impecáveis, bares e restaurantes por todo lado, as muitas
piscinas super bem cuidadas e agradáveis; a linda praia, que se faz particular
pela geografia, é um deleite à parte, com barracas e cadeiras quase pé na água.
Estou
me estendendo um pouco mais na descrição do hotel, porque o único que fizemos
nos dois dias que ficamos na Ilha de Baru foi ficar no hotel. Ele é isolado,
não há o que ver caminhando ao redor, e nem pensamos em pedir um carro para
sair dali, pois a sensação era que estávamos no paraíso. Não sei se exagero em
dizer que foi o lugar mais paradisíaco que visitei na vida, levando em
consideração o binômio praia/hotel. Sim, já fui em praias mais bonitas, tanto
no Brasil quanto fora, mas nunca em um hotel deste nível e com tanta
exclusividade. E as águas claras, calmas e quentes do Caribe... e um
silêncio... um silêncio que, aliás, há muito tempo eu não ouvia...
No
sábado à tarde saímos deste paraíso e fomos para a cidade de Cartagena. No fim
da tarde fizemos checkin em outro Sofitel, desta vez o Santa Clara. O prédio do
hotel é um antigo convento, inaugurado em 1621. Sim, isso mesmo, 1621. Ainda
existem pedaços desta construção, como o teto e o chão do pequeno hall de
entrada. Mais que lindo, achamos a atmosfera desse hotel meio mágica.
Mas quero deixar registrado que nossa primeira impressão foi de arrependimento. Lembram? Estávamos em um paraíso... Nossa decisão foi deixar as coisas no quarto e aproveitar o entardecer caminhando pela cidade, tendo como destino o bairro boêmio de Getsmâni. Queríamos tomar uma cerveja no meio do povo, depois dos nossos dias de relativo isolamento. Acontece que fomos golpeados pelo calor, pelas ruas cheias de gente, pelo barulho... tomamos nossa cerveja, passeamos mais um pouco e regressamos ao hotel.
Em um
quarto excelente, de um lindo hotel, comentamos, constrangidos, que havíamos
nos equivocados ao deixar a Ilha de Baru... ainda tivemos tempo, nesta noite, de
ir descer ao Bar Coro, do próprio hotel, assistir um showzinho de música
Colômbia, estilo Buena Vista Social Club, muito bom. Ali tomamos um Coro
Musle, drink da casa, ofertado como nosso drink de boas-vindas!
Dia
seguinte, café da manhã, o melhor das nossas vidas. Nem vou contar. Depois, a
muito agradável piscina do hotel, de onde não se tem vontade de sair. No início
da tarde um tour pelo hotel, com nosso ‘mordomo’ Ernesto. Acontece que sou
membro platinum na rede Accor, pelo muito que me hospedo nela, e acabo tendo
algumas mordomias por isso...
Agora
é hora de contar por que nos hospedamos neste hotel. Ana e eu somos leitores
assíduos de Gabriel Garcia Márquez. Em um dos seus livros, “Do Amor e Outros
Demônios”, ele faz uma introdução, que mais que justifica nossa escolha. Copio
um trecho aqui:

As criptas no Bar Coro - Hotel Sofitel
Santa Clara
“Não foi um dia de grandes notícias aquele 26 de outubro de 1949. Mestre Clemente Manuel Zábalq, chefe de redação do jornal onde eu fazia minhas primeiras letras de repórter, encerrou a reunião da manhã com duas ou três sugestões de rotina. Não deu tarefa concreta a nenhum redator. Minutos depois soube por um telefonema que estavam esvaziando as criptas funerárias do antigo convento de Santa Clara, e me ordenou sem muita convicção. — Vá até lá e veja o que consegue. O convento histórico das clarissas, que há um século se converteu em hospital ia ser vendido para construírem no lugar um hotel de cinco estrelas. Sua bonita capela estava quase toda exposta à intempérie com o desmoronamento gradativo do telhado, mas nas criptas permaneciam enterradas três gerações de bispos e abadessas e outros personagens notáveis. A primeira medida era desocupá-las, entregar os despojos a quem os reclamasse e atirar o restante na vala comum No terceiro nicho do altar-mor, do lado do Evangelho, é que estava a notícia. A lápide saltou em pedaços ao primeiro golpe da picareta, e uma cabeleira viva, cor de cobre intensa, se espalhou para fora da cripta. O mestre-de-obras devia retirá-la inteira, com a ajuda de seus operários, e quanto mais a puxavam, mais comprida e abundante parecia, até que saíram os últimos fios, ainda presos a um crânio de menina. No nicho ficaram apenas uns ossinhos miúdos e dispersos, e na pedra carcomida pelo salitre só se lia um nome, sem sobrenomes: Sierva María de Todos los Ángeles. Estendida no chão, a cabeleira esplêndida media vinte e dois metros e onze centímetros. O mestre-de-obras me explicou sem espanto que o cabelo humano crescia um centímetro por mês até depois da morte, e vinte e dois metros lhe pareciam uma boa média para duzentos anos.
Já a
mim não pareceu tão trivial porque minha avó me contava em menino a lenda de
uma marquesinha de doze anos cuja cabeleira se arrastava como a cauda de um
vestido de noiva, que morreu de raiva causada pela mordida de um cachorro, e
que era venerada no Caribe por seus muitos milagres. A ideia de que aquele
túmulo pudesse ser dela foi a minha notícia do dia, e a origem deste livro.”
Neste
momento, Ana e eu nos olhamos, emocionados, e nos convencemos que iria sair
tudo bem com o nascimento da nossa neta, que seria uma mulher, de nome Clara, e
que estava sobre a proteção de Clara, discípula e parceira de vida e obra de
São Francisco de Assis.
O
hotel foi escolhido por essa razão, e se justificou totalmente. Mas não apenas
por isso. Sabe aquela sensação que comentei acima, de certo arrependimento por
ter deixado o paraíso da Ilha de Baru. Se esvaneceu totalmente. É que o paraíso
tem várias fisionomias...

Poço da fundação do convento, no
jardim interno do hotel
O
hotel Sofitel Santa Clara se mostrou tão ou mais agradável que o de Baru. Além
disso, Cartagena nos conquistou. Apesar do calor intenso, fizemos dois passeios
guiados, contratados pelo app da Get your Guide. Um se chamava “Centro e Getsêmani”,
outro “Gabriel Garcia Márquez”. Gostamos dos dois.
O
centro da cidade, ou cidade murada, é realmente de uma beleza ímpar, justifica
totalmente a fama que tem. Arquitetura colonial espanhola, com casario muito
bem cuidado, varandas floridas, cores variadas, portas, janelas e balcões
lindíssimos, ruas, praças e lugares cheios de história. Ali estão lojas de
artesanatos, roupas, restaurantes, hotéis, etc. Os jardins internos, tão característicos
da arquitetura mouro-espanhola, uma beleza à parte. O hotel estava no tranquilo,
ainda que cêntrico, bairro San Diego. Ao lado, o movimentado bairro San Domingos.
Um pouco além, o já comentado Getsmâni. Todos os três muito interessantes e bonitos,
cada um a seu modo.
Não
vou aqui contar tudo que ouvimos. Vou mencionar a índia Catalina e sua saga, retratada
até em série da Netflix, e o Padre São Pedro Claver, um jesuíta espanhol que
dedicou sua vida a servir e defender os africanos escravizados que chegavam em
Cartagena, salvou milhares e ganhou a alcunha de “escravo dos escravos”. 
El esclavo de los esclavos!
Como eu
disse, são muitas e muitas histórias interessantes contadas pelas ruas da Cidade
Murada de Cartagena de las Índias!
Comemos
comidinhas de rua, nunca resistimos, e fomos a três bons restaurantes, comer
comidas caribenhas, sempre peixes e camarões bem temperados, com esse toque
africano insuperável. O restaurante que mais gostei, dos que fomos, foi o Casona
Café Bar. O Tomillo, mais simples, também com uma comida muito boa.
Foram
quatro dias que nos deu vontade de mais. Mas, diz o adágio popular, aventura de
pobre...
E essa
foi nossa estada na linda Cartagena. Não sei onde será a próxima, mas, de lá,
conto mais.

As lindas placas com nome das ruas! 
Getsmâni 
Mais dos grafites de Getsmâni 
Ruas do centro histórico de Cartagena 
Os balcões floridos!





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