vistas às machambas |
Como era
previsto, o dia hoje foi intenso. Às sete da manha me buscaram e fomos direto
ao campo, depois de uma breve passagem pela Casa Agrária, uma estrutura do
Governo e onde a ESSOR, ONG com a qual estou trabalhando aqui, tem um dos seus escritórios.
No campo, visitamos duas associações de mulheres que produzem em suas machambas hortaliças orgânicas, ou sem químicos,
como eles tem se referido ao trabalho que realizam.
Machamba
é uma excelente palavra para
área de cultivo. Parece que também tem um sentido que engloba as áreas que somam cultivos, pátio, morada. No Brasil carecemos de uma boa palavra para estas áreas. Usamos propriedade,
sítio, granja, colônia, e tantas outras,
mas nenhuma delas é precisa. Gostei de machamba.
embaixo de uma mangueira, proseando... |
Em uma destas machambas cheguei e o grupo de mulheres
estava plantando abóboras, rindo e cantando. Lindo. Uma música ritmada que
marcava o trabalho. A letra devia ser divertida, mas desta foi que eu não
entendi nada, já que elas cantavam em algumas das tantas línguas locais que se
fala por aqui. Me senti na África.
Almocei na Casa
Agrária mesmo, um arroz com galinha delicioso, com um tempero diferente, que se entendi bem eles chamam de caril, embaixo
de uma mangueira, acompanhado da equipe da ESSOR. A tarde foi passada no
escritório, conversando sobre o trabalho que eles desenvolvem de estímulo à
produção e consumo de produtos orgânicos.
Nesta conversa
aprendi algo absolutamente interessante. Deixa eu contar, com uma breve
digressão. Quando eu e Ana saímos da faculdade, fomos estudar para um concurso
do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Vou pular tanto a
parte que contextualiza este concurso, cujo resultado nunca saiu, quanto a
parte das teorias sobre a razão da queda do avião no qual viajava o então
presidente do INCRA, o pernambucano Marcos Freire. Vou apenas falar que uma das
leituras obrigatórias deste concurso era um livro intitulado “A Crise Agrária”.
O autor, Alberto Passos Guimarães, descreve neste livro as razões da profunda
crise que passava, e ainda passa, o setor agrário. E argumentava com muita
propriedade que a única solução seria a terra
perder seu valor de troca. Simples assim, terra não se compra e, por conseqüência,
não se vende, apenas se usa. Lembro que na época achei sensacional a idéia e
fiquei pensando em como isto seria impossível. Pois bem, aqui em Moçambique é
assim. Não se negocia terra.
reunido com as mulheres |
Os Agricultores tem um DUAT – Direito de Uso e
Aproveitamento da Terra. Depois de dez anos na mesma terra, este DUAT assume um
caráter um pouco mais definitivo, a terra pode ser passada para os filhos, mas
não pode vender... Sensacional, terra para quem está a fim de trabalhar nela, nada
de ter ou comprar terra como reserva de valor. Parece louco né? É porque a
propriedade privada se tornou, de dois séculos para cá, uma instituição sagrada,
imexível diria o Magri, mas na história da humanidade nem sempre foi assim,
pelo contrário, o uso comum dos bens naturais sempre foi a tônica.
É legal saber que
as regras sociais, as Leis, são feitas por nós, não existem desde sempre e nem
precisam durar mais do que o conveniente para a maioria. Parece óbvio, mas
existem muitas regras que se petrificam culturalmente e acabam dando a sensação
que são “naturais”. Não são.
Devo dizer também que existem subterfúgios usados pelos detentores de DUATs para negociá-os, como por exemplo vender as benfeitorias, repassando assim os DUATs. Mas estes subterfúgios não mudam a essência, terra, como tal, não se negocia.
Devo dizer também que existem subterfúgios usados pelos detentores de DUATs para negociá-os, como por exemplo vender as benfeitorias, repassando assim os DUATs. Mas estes subterfúgios não mudam a essência, terra, como tal, não se negocia.
Mercado Municipal |
À tardinha ainda
tive tempo de passear rapidamente por uma parte do centro da cidade, chamado Baixa. Fui à três lugares. Primeiro,
claro, no Mercado Municipal, legal, alguns produtos locais, mas só comprei um
tempero picante, já era tarde e muitas bancas estavam fechando, terei que
voltar para poder vê-lo com mais calma. Depois fui à Casa Elefante, uma loja, o
lugar mais característico da cidade para se comprar aqueles tecidos multiusos
tão típicos de vários países da África e que aqui em Moçambique chamam de Capulana. Comprei alguns, claro, mas
muito difícil escolher, são centenas de motivos e ainda com variações de
tamanhos e qualidade do algodão.
Terminei o dia
jantando em um restaurante português, o Bella
Madallena. Comi bacalhau e pastel de Santa Clara de sobremesa. Vida
difícil...
Mooito difícil!... hehehe
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