Livraria Puro Verso
Foram dois dias em Montevideo. Cheguei no domingo tarde da
noite e saio amanhã de manhã. Vim convidado pela COPROFAM (Confederación de
Organizaciones de Productores Familiares del Mercosur Ampliado), para dar uma
palestra em um curso para representantes de sete países, governos e sociedade
civil, que abordou a Agroecologia como ferramenta para fazer frente às mudanças
climáticas.
Vou contar algo interessante: resolvi usar uma palestra que havia preparado para a Assembleia do MAELA (Movimento Agroecológico da América Latina e do Caribe) em 2003, na Costa Rica. Basicamente, falo dos fundamentos da Agroecologia a partir de seis dimensões. Resumo aqui as dimensões e a ideia síntese em cada uma:
1. Dimensão
tecnológica - A natureza como matriz tecnológica;
2.
Metodológica
- Fertilização cruzada de ideias e ideais;
3.
Mercado
- Mercado como criatura e não como criador;
4.
Política
- Instâncias organizativas democráticas e participativas;
5.
Sociológica
- Atores sociais capazes de identificar e resolver seus problemas;
6.
Cultural
- Cosmovisão integradora ser-humano / natureza.
Por que interessante? Porque o que preparei há mais de vinte anos segue atual e surpreendendo. Na real, nem sei se é interessante, talvez a palavra mais adequada seja triste. Sim, meio triste que o já dito por tantos e há tanto tempo ainda surpreenda… por isso mesmo terminei com Caetano: “E aquilo que nesse momento se revelará aos povos, surpreenderá a todos não por ser exótico, mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o óbvio”.
Hoje, pela manhã, deixei o evento e fui caminhar. Nos dias
atuais se pode fazer isso, fácil, colocando cara de preocupado e avisando às
pessoas que você tem uma reunião on-line. Putz… potássiopotásssiopotásssio. Saí
do Ibis La Rambla, hotel que estou, e peguei a rua Santiago até a ‘18 de
julio’, avenida que é uma espécie de aorta de Montevideo. Fui caminhando até o
Porto, olhando o comércio, revivendo outras estadas por aqui e flanando sem
preocupação. Parei nas duas livrarias mais conhecidas por aqui. A “Puro Verso”
e a “Más Puro Verso”. Nesta última, resolvi tomar um café em meio a letras e
livros, admirando as prateleiras e me perguntando quando foi que nos
divorciamos dos livros. Antigamente essas duas eram a mesma livraria, hoje não.
Perguntei a uma atendente, jovem, que ironicamente respondeu: “solían ser la
misma, ahora le puseram, en uma, un ‘más’ adelante que lo cambió todo”. Ri e
comentei com ela que assim caminha a humanidade, todos querendo ser ‘mais’.
Tomei um café na ‘mais puro verso’, entre Borges e Benedetti,
pendurados na parede, e escrevi um pouco, um dos meus prazeres na vida. Depois,
segui caminhando pela cidade velha. De lá fui até o Mercado del Puerto. Como
quase todos os centros de cidade, pós pandemia, muitas lojas fechadas e pouco
movimento, com exceção das ruas ao redor do mercado. Por ali, assim como no
próprio mercado, muitos restaurantes, lojas com lembrancinhas e artesanatos,
vinhos, alfajores e doces de leite.
Parei para um chopp no Bar Alvarez. Um simpático Ipa, às onze
da manhã de uma terça-feira. Pode isso, Arnaldo? Aproveitei e comi um provolone
assado com tomates e pesto. Chopp muito bom, provolone nem tanto.
Voltei caminhando pela Rambla, o calçadão que margeia o
majestoso rio “La Plata”. Ainda tive tempo de ver o final do evento. Resultado?
Não pergunte isso a alguém como eu que já não crê que a necessária revolução
agroecológica se realizará. A humanidade não quer isso, o sazon venceu, o
prazer imediato é mais forte, frases simplórias como “a vida é uma só” ou “o
importante é o agora” invadiram as mentes, e quase ninguém aceita trocar
conforto individual por bem-estar coletivo ou meio ambiente preservado. Segue o
baile, assim caminhamos, céleres e saltitantes, rumo ao caos.
Essa constatação não me esmorece, sigo dançando a playlist
que escolhi aos vinte anos, estou bem onde estou, daqui não saio. É só isso que
vou contar desses dois dias! Amanhã cedo já regresso para casa, vida que segue!
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