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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Nuremberg, Alemanha, 12 de fevereiro de 2025.


Infográfico com vários dados. Fonte: Fibl

Uma das razões para vir na Biofach, uma grande Feira mundial de produtos orgânicos certificados é entender um pouco mais sobre a dinâmica deste tipo de produção. Inteirar-se dos números e saber refletir sobre eles, percebendo tendências. 

Um entre centenas de stands

São muitos dados divulgados por aqui. Vou, por exemplo, comentar que o país com a maior área em produção orgânica certificada no mundo é a Austrália, com 53 milhares de hectares. Aliás, desde sempre. Isso é explicável porque são grandes áreas extensivas, dedicadas à pecuária. Pela mesma razão, em terceiro e quarto lugar estão, respectivamente, Argentina (4 milhões de ha) e Uruguay (3,5 milhões). A Índia assumiu o segundo lugar nesta escala, com 4,5 milhões de hectares, e ainda ocupa o posto de país com maior número de produtores orgânicos certificados (2,3 milhões de produtores). Estas posições, de segundo em área e primeiro em número de produtores coloca a Índia na posição de principal país no cenário da agricultura orgânica mundial, junto com os EUA, que detém 45% do mercado. Pelos números anteriores, vemos que, na Índia, cada produtor, em média, tem pouco menos que 2 hectares de terra cultivada organicamente.  Na Austrália, temos cerca de 2.200 produtores orgânicos. Significa que cada um tem, em média, 28 mil hectares de área certificada como orgânica. Curioso, né?

Ontem, comentei que essa edição da Biofach me parece a menos entusiasmada de todas que vi, o que não significa que não esteja pujante, cheia de pessoas, produtos, novidades e negócios. Quem sabe, as feiras com esse formato não tenham mais a importância de outros momentos. Falei que talvez isso fosse reflexo de uma certa estagnação, talvez decadência, do mercado de produtos orgânicos. Claro que não tenho elementos para afirmar isso. De todos os modos, quero esclarecer que questiono o mercado de produtos orgânicos tal qual ele foi desenhado, baseado na normatização excessiva, na certificação, no sobre preço exagerado, na elitização do consumo. Refiro-me a esse desenho, que emerge de zonas ricas de países ricos e que se reproduziu em zonas ricas de países pobres. Esse é o formato que me parece estar estagnado, ou crescendo a taxas muito menores do que há alguns anos.  Aliás, e falo sem receito de parecer pretensioso, afirmava que isso iria acontecer há mais de 20 anos. Na época, dizíamos que com esse enfoque o movimento estava criando uma armadilha para ele mesmo!

Claro que, repito, afirmar que o mercado está estagnado exigiria maiores investigações. Tudo bem, nesse post corro esse risco, de afirmar algo baseado na minha intuição e percepção.

Uma visão mais positiva é pensar que o produto orgânico já não é mais uma novidade e a demanda por produtos orgânicos cresceu a ponto que ele se encontra nas feiras específicas por produtos, disponível na grande rede e nas gôndolas dos supermercados. Quem precisa comprar esses produtos, falo no atacado, não precisa se deslocar muito e ir a feiras distantes, está tudo mais próximo e, quem sabe, a um clique. Nestas reflexões, meu olhar se volta para outro mercado, que não considero estagnado: aquele nos quais os produtos se mantêm limpos, com pegada eco social, mas já não dependem de elaboradas normas, sofisticadas certificações ou de sobrepreços que elitizam e inibem o consumo. Nestes mercados, a proximidade conta, tanto geográfica quanto humana, mais do que um detalhe ou outro de normativas de difícil compreensão.

Poderia qualificar mais este mercado, mas não aqui.

Esse futuro já está acontecendo, ainda que em volumes muito aquém do necessário para redesenhar a sociedade nos rumos que nossa utopia de mundo justo e harmônico sugere.

Com André, do Centro Ecolçogico e 
Luiz Carraza, da Centrral do Cerrado.

Enfim, reflexões não faltam, estimuladas pelo contexto atual e por estar aqui, na Biofach.

No final do dia de hoje, rolaram as tradicionais festas dos stands. Fomos no stand da Áustria, depois no da IFOAM - Organics International e terminamos ouvindo um som muito legal, ao vivo, no stand de Madagascar e comendo uns pratos com sabor africano da melhor qualidade! Tudo acompanhado de uma cerveja alemã - orgânica, claro, e recheado de boas conversas. Saímos da feira às oito da noite e viemos direto, com o tempo frio e chuvoso, para o hotel.

Está bom por hoje, né? Amanhã, conto mais.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Nuremberg, Alemanha, dias 10 e 11 de fevereiro de 2025.

 

Aspectos da Biofach 2025

Outra vez em Nuremberg, Alemanha, visitando a Biofach, a maior feira de produtos orgânicos certificados do mundo. É a 14º vez que venho, desde 2003. Minha intenção, desta vez, é ter uma melhor percepção sobre como anda a agricultura orgânica, da produção ao mercado, no mundo. Não apenas números, mas conversar com diferentes pessoas, de vários países, olhar as centenas de bancas e perceber tendências. Tenho convicção que vir aqui me aguça o olhar e tem impacto no meu trabalho diário. 

Saí domingo de casa, eu e o André, encontramos Guilherme em São Paulo, estamos juntos aqui. Viagem também, junto ao trabalho, de passeio, com três amigos de longuíssima data!

Como já escrevi aqui outras vezes, a feira impressiona pela diversidade, quantidade e qualidade dos produtos. No competitivo mercado mundial de produtos orgânicos, o tempo no qual bastava esse adjetivo para se posicionar já ficou para trás há muito tempo. Tem que ser bom, gostoso e bem apresentado. Vir à Biofach é útil também para encerrar esse papo de “é possível produzir sem agrotóxico?”. Ainda tenho que responder essa pergunta frequentemente, e isso só demonstra o quanto a pessoa que faz essa pergunta é desinformada no assunto. Dá até preguiça responder...

Hoje, além de rodar pela feira, ver e provar muita coisa interessante, eu ouvi a palestra mais esperada da feira. Anualmente, FIBL, uma instituição Suíça, de pesquisa, muito conhecida no mundo da agricultura orgânica, e uma empresa norte americana, a Ecovia, apresentam a situação da produção e do mercado orgânico no mundo. Hoje, apresentaram os números de 2023, coletados ano passado.

Pouco de novo no front.


        Segundo a Ecovia, o mercado de produtos orgânicos em 2023 foi da ordem de 130 bilhões de dólares, produzidos em 2,26 milhões de hectares que foram certificados. EUA seguem em uma forte liderança, gerando 45% do mercado. Soma-se os 4% do Canadá, e se vê que a América do Norte concentra metade de tudo que é comercializado como orgânico no mundo.

Ouvi também que existe uma preocupação que as recentes medidas do Presidente Trump podem afetar a produção e consumo de produtos orgânicos nos EUA. Bom lembrar que para abastecer seu mercado, o país é o principal importador mundial de alimentos orgânicos. Esse reposicionamento de tarifas promovido por Trump pode gerar retaliações que, eventualmente, terão impactos nessas importações.

Nessa apresentação da situação do mercado de produtos orgânicos algo me chamou a atenção, para além dos números: a sala vazia. Nunca vi essa sessão tão pouco concorrida. O que significa? Não posso afirmar nada, mas tenho a impressão de que o arrefecimento do crescimento do mercado de produtos orgânicos é uma das razões. Claro, não podemos esquecer como o mundo vem mudando e, nos últimos anos, feiras presenciais vêm sendo substituídas por outras relações de mercado e formas de contacto.  O fato é que a sociedade pós pandemia mudou, difícil precisar se por responsabilidade da Covid, se pelo avanço das formas de comunicação, se por causa da percepção cada vez mais nítida do impacto das mudanças climáticas em nossas vidas. Possivelmente por tudo isso e muito mais. O crescimento da extrema direita em várias partes do planeta, fenômeno de difícil explicação, obviamente também muda o mundo e não acredito que no rumo do desenvolvimento da agricultura orgânica, para dizer o mínimo.

Para não dizer que não falei
de flores.

Acho que me estendi no parágrafo anterior justamente porque uma das minha motivações para vir aqui é testar uma hipótese: o que nós nos acostumamos a chamar de “movimento de agricultura orgânica” está estagnado ou decadente. Confirmar, ou não, essa hipótese e tentar entender o porquê, caso ela seja verdadeira, tem ocupado minhas reflexões nos últimos meses.

Quero contar, antes de terminar este post, algo interessante que ouvi hoje. Caminhando pela feira, encontrei a Fernanda Stefani, da 100% Amazônia. Uma empresa focada no comércio de produtos da Amazônia. O principal deles? Adivinha? Isso, açaí. Conversa boa, sobre vários aspectos, mas ouvi dela um número que me chamou a atenção: o mercado de açaí hoje, no mundo, é de 3 bilhões de dólares! Um valor expressivo, ainda mais se pensar que quase toda a produção vem do Brasil. Enfim, isso é outro assunto...

Hoje foi só o primeiro dia. Têm mais números, impressões e reflexões, amanhã conto sobre quais países possuem a maior área de produção orgânica no mundo e quais possuem o maior número de produtores!