Filho do Sr. Gilberto. Que mirada... |
Passei o
dia cantarolando Milton Nascimento. Com a
roupa encharcada e a alma repleta de chão, todo artista tem de ir aonde o povo está.
Se foi assim, assim será...
Uma das hortas que visitamos. |
Hoje fomos
ao campo, não em uma boleia de
caminhão, mas em uma pequena van, com amortecedores vencidos, banco sem
molas e entrada permitida ao calor e ao pó. Com oito lugares, em alguns
momentos éramos 13. Foi interessante. E divertido. Nem só de VIP lounges ou Uber Black vive o homem.
A primeira
visita foi em Carapongo, cerca de uma
hora e meia de Lima. Visitamos algumas das oito famílias da "Associação de Bioprodutores de Carapongo La
Esperanza". Esta associação faz parte da APARL - Associação de Produtores Agroecológicos da Região de Lima. Por sua vez a APARL integra a ANPE - Associação Nacional de Produtores
Ecológicos do Peru.
O grupo La Esperanza e nós, os "estrangeiros". |
O primeiro produtor
que visitamos foi o Sr. Gilberto. Desde 2008 sua produção é orgânica e ele já
foi certificado pelo método que se conhece como auditoria ou terceira parte.
Agora integra o SPG liderado pela ANPE. SPG - Sistema Participativo de
Garantia, é um método que permite que os próprios produtores, de forma
organizada, atestem a qualidade da sua produção. O SPG, além de ser mais
barato, propicia uma troca de olhares e experiências que significa um valor
agregado em relação ao sistema de certificação por terceira parte.
Na visita
nos explicaram como funcionam. Vou tentar contar em breves palavras. Para começar, aquele que
deseja ser certificado deve integrar um grupo de no mínimo seis famílias. Este
grupo elege um deles como avaliador interno. Todos devem velar pela qualidade
ecológica da produção.
"milho de polenta" |
Este avaliador interno participa de algumas etapas
de capacitação para apurar mais seus conhecimentos sobre a produção ecológica e
sua percepção sobre a confiabilidade do trabalho desenvolvido por cada família
e para preencher os inevitáveis papéis exigidos no mundo da certificação. Fazem
dois tipos de visita. Uma anunciada e outra de surpresa. Esperanza, uma simpática produtora, é a avaliadora local. A
avaliação feita por esta avaliadora irá ser analisada pelos grupos e eventuais
problemas serão resolvidos neste âmbito. Esta avaliação, após discutida em
grupo, irá para uma instância que se chama Conselho Regional do SPG, que irá
definir se o produtor está ou não apto a ser considerado orgânico. Esta decisão
o Conselho Regional, integrado por lideranças de produtores e consumidores,
além de outros setores, como ONGs e Universidades, irá tomar a partir dos
documentos recebidos e uma visita por amostragem em cerca de 20% dos produtores.
Quando passa por todas estas etapas, a família recebe um atestado de produtor
ecológico. Atestado e não certificado, pelo fato do SPG não estar reconhecido
pela legislação peruana que trata da regulação e controle da produção ecológica.
Esquema interessante – tem mais elementos, mas tentei ser breve na descrição. A
outra possibilidade é contratar uma empresa de certificação. Paga, preenche uma
série de formulários exigidos, é avaliado e se tudo está ok recebe seu
certificado.
Visual no campo, em Santa Eulália. |
O grupo La Esperanza era
certificado por uma empresa, e cada família pagava de mil a dois mil dólares
por ano. Com o SPG não pagam nada, apenas precisam participar, ou seja, usar
parte de seu tempo. Mal comparando, é como cortar grama do meu quintal, posso
fazer ou posso pagar alguém para fazer para mim.
Uma última
coisa sobre isto: Com a perda de mercado por parte das empresas certificadoras, não é de se
estranhar que elas fazem um constante trabalho de lobby junto ao governo
nacional para manter os SPGs fora do marco legal. No Brasil se passou o mesmo,
e, finalmente se conseguiu a incorporação dos SPGs na legislação que trata do
tema. Com isto, as empresas perderam mercado e se viram compelidas a baixar seus preços.
Bom, este
longo parágrafo acabou virando aulinha sobre certificação – vou deixar assim, já acho que muitos dos
apreciadores dos produtos orgânicos não sabem o que está entre eles e aquele
“selo” que os identifica nas prateleiras.
Cuy. Nosso almoço de hoje. |
Mas teve
mais. A segunda parte da visita foi em Santa Eulália, um pouco mais longe, a um grupo de mulheres que produzem
hortaliças e preás. Sim, preás, aqui chamados de cuys e muito comuns na alimentação na zona do altiplano. Hoje
comemos cuy no almoço. Prefiro chamar
cuy do que preá, me sinto menos ogro.
Fim do dia,
cansados, foi tempo de comer outra vez no corretíssimo Punto Azul e vir para o hotel assistir ao Brasil ganhar do Peru
pelas eliminatórias. O tema ontem e hoje aqui foi este jogo, e naturalmente
todos queriam puxar este assunto comigo. Minha resposta é que eu havia pedido
aos meus amigos da seleção para ganhar só de 1 x 0. Errei, mas 2 x 0 não chega a ser agressivo, acho que sobrevivo. Deu por hoje, amanhã vamos ao campo outra vez.
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