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sábado, 24 de setembro de 2016

Santiago de Compostela e Villena, 23 e 24 de setembro de 2016.


Castelo de Villena
Estou escrevendo de um trem AVE, que significa Alta Velocidade Espanhola. É o trem-bala da Espanha. Este que estou fará os 370 km de Villena à Madrid em duas horas.
Entre ontem e hoje correu tudo como previsto. Saí de carro de Lugo em direção ao aeroporto de Santiago de Compostela na companhia de dois amigos, agroecólogos espanhóis, Eva Torremocha e Manuel Gonzales de Molina. Este último foi meu professor aqui na Espanha há exatos vinte anos.
Catedral de Santiago
Ainda tive tempo para um passeio de duas horas em Santiago de Compostela, a cidade dos peregrinos. Andei pelo centro histórico, lotado de gente. Realmente não imaginava que era tão turístico. Soube que é o terceiro centro de peregrinação cristã, depois de Roma e Jerusalém.
A Catedral é realmente impressionante. Nela está o que se julga serem os restos mortais de Santiago. Diz a tradição que pelo início do século IX um ermitão viu uma luz na floresta e foi chamar o Bispo da cidade, que aliás foi fundada no mínimo pelos romanos, lá pelo século II. Os dois, o Bispo e Pelágio, o eremita, se dirigiram ao local e viram ali três corpos, identificados pelo Bispo com sendo o de Tiago Maior e de dois de seus discípulos. Como estes corpos puderam ser identificados cerca de 800 anos depois de sua morte eu não sei dizer. Não deve ter sido exame de DNA.
Igreja de Santiago
Uma possibilidade seria os corpos estarem incorruptos, fato aliás relativamente comum na historiografia cristã. Tiago Maior é pouco citado no Novo Testamento, e possivelmente foi o primeiro a ser imolado por sua dedicação ao Cristianismo. Bom, resumidamente esta é a história que faz de Santiago de Compostela um local tão importante para a fé Católica.
De Santiago fomos para Alicante, 90 minutos de avião. Alicante está na Comunidade Autônoma de Valência. As comunidades autônomas são parte da divisão política da Espanha e equivalem aos Estados no Brasil.
Conheci Alicante indo de ônibus do aeroporto para a estação de trem. Foi agradável para ver o Mediterrâneo e sentir o clima de uma cidade balneária. Mas foi só, não havia tempo nem para uma breve caminhada. O trem saia logo e após 30 minutos chegamos à estação de Villena. Villena é mais uma das tantas cidades pequenas e muito simpáticas da Espanha. Tem cerca de 35 mil habitantes e 20 séculos de história. Um bonito castelo adorna com pompa e circunstância seu centro histórico, construído primeiramente pelos romanos, reconstruído por mouros e depois da reconquista reformado pelos Cristãos. Nestas cidades os tempos e fatos históricos se cruzam. Aqui, Império Romano, ocupação árabe e guerra santa andam de mãos dadas em pleno século XXI.
Hoje pela manhã vi o sol nascer dos arredores do Castelo. Lindo.
Sol querendo sair, oito da manhã, Castelo de Villena
E o dia foi de trabalho. Uma reunião com um pequeno grupo, umas quinze pessoas, ligadas à produção e consumo de produtos ecológicos. A ideia era debater sobre alternativas ao modelo de certificação para produtos ecológicos que existe na Europa. Eu contei o que fazemos no Brasil com os SPGs e ouvi o que eles fazem aqui. Foi interessante.
Uma das reclamações recorrentes dos produtores espanhóis é a excessiva regulação feita pelo estado europeu, não apenas na certificação orgânica. Vou contar um exemplo que ouvi. Um produtor não pode mais matar um porco em casa para comer sua carne ou fazer um embutido. Tem que matar em uma estrutura apropriada. Uma das grandes vantagens de ser agricultor é gozar de relativa liberdade. Trabalha-se muito, mas sem horários ou chefe. E ter um estado tão presente, regulando tanto suas ações cotidianas, causa muita indignação e os fazem repensar esta vantagem. Me lembrei da antiga consigna anarquista, nem pátria nem patrão. De que adianta não ter um e ter uma overdose da outra?
Reunião de trabalho
Mas o fato é que este excesso de regulação obviamente também está na agricultura orgânica e dificulta bastante a vida de quem opta por produzir desta forma. Ouvi aqui o que ouço sempre: qual a lógica de regular tanto e exigir certificação de quem produz sem agrotóxicos e deixar tão livre o uso destas e outras substâncias nocivas à saúde a ao meio ambiente? Não soube responder. Quem se arrisca?

Bom, estou chegando em Madrid. Que viagem mais agradável neste trem. Acho que também pela sensação de leveza por ter terminado o trabalho da semana e a perspectiva de um domingo de passeio em Madrid.
Amanhã será descanso e passeio, segunda cedo regresso. Acho que não conto mais nada daqui... a próxima está marcada, México!

Cantinho nas ruas do centro antigo de Villena

Eu em Santiago de Compostela!!!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Lugo, 21 e 22 de setembro de 2016.


Ponte Romana, no caminho entre o hotel e o Congresso
Passei ontem e hoje entre apresentações no Congresso da SEAE - Sociedade Espanhola de Agricultura Ecológica e passeios a pé pela cidade de Lugo. Como já comentei, Lugo é uma cidade fundada pelos Romanos algumas décadas antes de Cristo. Na região já havia assentamentos Celtas, e esta presença ainda se faz visível em alguns pontos de interesse, em souvenires locais ou em casas da cidade ou da região. Li que a cidade/região tem uma tradição de mulheres que conhecem muito de ervas medicinais, e que na inquisição, não sei se apenas por esta característica, foram tratadas como bruxas. 
Na entrada de uma loja de artesanatos
A famosa frase "yo no creo en brujas, pero que las hay las hay" é uma variante en castelhano de uma frase Galega. Para quem não sabe ou não se lembra, a Espanha são várias, em vários sentidos, e um deles são as línguas faladas. No país Basco se fala basco, na Catalunha, catalão, em Valência, valenciano, aqui na Galícia, galego, uma língua muito próxima do português. Não por acaso a Galícia faz fronteira com Portugal.
Para ir ao Congresso desde o hotel, optei por caminhar. No percurso, de uns três km, encontrei um grupo de dez pessoas fazendo o Caminho de Santiago. Lugo é rota tanto do que eles chamam de caminho antigo quanto do caminho novo. Me explicaram que cada um ou cada grupo escolhe de onde vai sair em direção à Santiago de Compostela. Assim, o "caminho" tem a distância que o peregrino definir. Mas, para ganhar um diploma ou certificado de peregrino, devem ser percorridos no mínimo cem quilômetros. O grupo com o qual eu conversei decidiu caminhar 160 km em sete dias. Estavam encantados com a experiência. Tai um programa que eu gostaria de fazer! Claro, como tenho poucos pecados, e dos leves, e ainda acho este trem de se conhecer quase perigoso, quero ser um peregrino como os que encontrei: dormindo em hotel quatro estrelas e usando nike air!
O descanso do guerreiro...
No Congresso falei sobre "Agreocologia e Soberania Alimentar" e sobre "Circuitos curtos de comercialização para produtos ecológicos". Ouvi muita coisa interessante sobre o momento da Agricultura Ecológica na Espanha e na Europa, que segue crescendo. Mas não se trata de algo monolítico e sim um crescimento que ocorre em diferentes perspectivas. Por um lado empresas rurais, certificadas por um regulamento cada vez mais detalhado e que buscam espaço em mercados mais convencionais, como lojas especializadas ou supermercados. Por outro lado grupos locais de produção e consumo, buscando satisfazer suas necessidades de compra e venda em um ambiente mais saudável e colaborativo, tipo feiras ou entregas domiciliares. Entre um e outro, inúmeras experiências que buscam colocar em prática, em seus contextos específicos, o que interpretam como princípios da Agricultura Ecológica. Bonito de ver, ouvir, ruminar e digerir.
Amanhã saio daqui de carro, até Santiago de Compostela, onde vou de avião para Alicante e de lá ônibus para Villena, região de Valência, onde sábado tenho meu último compromisso. É relativamente longe, uns mil km, saio do noroeste para o sudeste do país.
Estou escrevendo aqui da praça principal, tomando um vinho com um tira gosto que veio junto, tipo oferta da casa. Sabem o que? Pão com ovo... Engraçado né? Mas tá muito bom! Fim de tarde agradável às 20:00hs, uma praça charmosa cheia de gente, vinho espanhol e pão com ovo... Acho que vou pedir outra dose!

Meu visual enquanto eu escrevia...


Praça animada - xadrez gigante!

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Madrid e Lugo, 19 e 20 de setembro de 2016.


Parte da Muralha Romana de Lugo
Ontem passei o dia em Madrid, em um curso sobre Sistemas Participativos de Garantia para profissionais envolvidos de alguma forma com a produção e o consumo de produtos ecológicos. Aqui na Espanha o nome preferencial que se usa é Agricultura Ecológica. Na Itália ou França, Agricultura Biológica. Na Inglaterra e Alemanha, Agricultura Orgânica. Estas denominações todas têm nuances em seus conceitos, assim como histórias e autores que as caracterízam. Mas hoje as diferentes legislações que tratam do tema as colocam como sinônimo, e de certa forma esta percepção tem prevalecido entre os que se envolvem com este assunto. Melhor assim, de fato elas guardam entre si muito mais semelhanças do que diferenças. E no fim, espero o dia que estes adjetivos sejam todos desnecessários, porque a agricultura irá toda ela funcionar baixo uma maior harmonia com a natureza.
Uma das onze portas da Muralha
Romana de Lugo
Sobre o dia de ontem, mais nada a contar. Foi o dia inteiro no curso. Acho que eles gostaram, e para mim é sempre bom me atualizar sobre as notícias da agricultura orgânica aqui na Europa.
Saí do curso e fiquei matando o tempo por quatro horas na estação de Chamartin, até as 22:15, quando saiu o trem para Lugo. Não gosto destes trens noturnos. Cabines com dois beliches, 4 pessoas quase confinadas em menos de 6m. Mas gosto dos vagões restaurantes, acho que me sinto em um filme dos anos 50, e foi nele que fui tomar uma taça de um vinho tinto. E viva o celular para ajudar na tarefa de esperar o tempo passar!
Cheguei quase oito da manhã em Lugo e fomos direto ao hotel. Ao lado da Praza Maior, se chama Mendez Nuñez e é bem correto.
Catedral de Lugo
Que cidade interessante Lugo. Está na Galícia, região Noroeste da Espanha. Relativamente perto de Santiago de Compostela, está na rota do famoso Caminho de Santiago. Muitos lugares interessantes para ver, a maior parte deles relacionados com a época do Império Romano. Lugo foi fundado pelos romanos, como um acampamento militar, sobre um pequeno povoado celta. 
A muralha romana de Lugo é sem dúvida o que mais chama a atenção. Aqui me informaram que é a única no mundo que conserva todo seu perímetro, que aqui é de mais de dois quilômetros. Pelo que percebi passear sobre a muralha não é um programa apenas de turistas, e vi muita gente local caminhando e correndo sobre ela. Fui também ao Museu Provincial de Lugo, onde estão expostas várias peças do período romano, lém de obras de arte de artistas locais. Tanto no museu quanto na própria cidade vi pedaços muito bem conservados de mosaicos romanos. Datados do século, II, III, IV. Nas ruas, às vezes passamos sobre ou ao lado de uma parte de vidro, como se fosse um visor. Este visor está para nós permitir ver partes do aqueduto, cômodos com mosaicos ou piscinas romanas. Uma verdadeira viagem no tempo.
Close no mosaico romano,
           este do séc II.
Além destas preciosidades históricas, é só comentei algumas das que vi, a cidade antiga e seus arredores é muito agradável de passear. Amanhã conto mais sobre a cidade.
E hoje pela tarde também teve trabalho, um "conversatório" sobre Sistemas Participativos de Garantia com representantes de produtores e consumidores locais. Depois fomos visitar uma pequena feira de produtos ecológicos, organizada no Mercado Municipal. Bom conhecer a feira, bem modesta, e conversar com os produtores. E ver um mercado é sempre um bom programa.
De noite fomos jantar um grupo de palestrantes e organizadores do Congresso. O que comi? Jamon ibérico y queso, claro!

Amanhã às nove devo estar na mesa inicial, que vai discutir sobre Agroecologia na Europa. Me convidaram na condição de olhar externo, ouvir os outros expositores e fazer alguns comentários a partir do que fazemos na América Latina. Veremos. 
Venda de produtos ecológicos,
no mercado municipal, terças e sextas..

Venda de produtos ecológicos, 
no mercado municipal, terças e sextas..

domingo, 18 de setembro de 2016

Madrid, 18 de setembro de 2016.

Plaza Mayor hoje de manhã.
Cheguei a Madrid hoje de manhã. Me aguarda uma semana de trabalho em três diferentes cidades da Espanha. Mas hoje o dia foi de relaxamento e passeio. 
Sempre bom vir à Europa e este país aqui é cheio de detalhes que gosto muito. Como por exemplo jamon Ibérico e queso manchego. Hummm...
Ruas de Madrid hoje ao nascer do dia.
O principal programa do meu domingo foi caminhar. Caminhei muito, o que é bom para a saúde e para chocar os ovos do Pokemon. Um belo dia de início de outono, temperatura agradável, acho que todo mundo teve a mesma ideia e as ruas estavam lotadas. Andei por alguns dos lugares obrigatórios no centro histórico de Madrid.  Paseo del Prado, Calle Carmen, Gran Via, Puerta del Sol, Plaza Mayor. Destaque para o Mercado de São Miguel, perto da Plaza Mayor. Um conjunto de pequenos lugares para se comer e beber, quase sempre em pé. Preciosidades, salgadas e doces, de diferentes lugares da Espanha. Não comi ali, mas só pelo visual sei que dá para recomendar.
Apesar dos lugares serem lindos, meu humor hoje não estava para flanar. Talvez o cansaço e o fuso horário, talvez a ausência de novidades. Mudei de rumo e resolvi colocar como objetivo do dia visitar as duas principais obras pictóricas de Madrid. Fui ao Museo Reina Sofia ver Guernica, de Picasso e ao Museo del Prado ver As Meninas, de Velásquez. Ótima decisão.
Guernica - Foto do site do Museu La Reina
Guernica é muito mais recente, de 1937, um óleo enorme, quase um mural. Ele retrata o bombardeio aéreo de Guernica, cidade Basca, pelos nazistas com apoio e apoiando o Franquismo, neste mesmo ano de 1937, nos primórdios da II Grande Guerra. Suas expressões de lamento, horror e dor impressionam e emocionam, quando você entra na vibe do quadro. O fato de ser em preto e branco também é marcante, como que expressando um mundo sem cores. Mas, como sou clássico, gosto mais do As Meninas. Li aqui que este quadro é considerado um dos mais importantes da arte ocidental. Ele impressiona. Eu, que não entendo nada, fico embevecido com o olhar dos diferentes personagens do quadro. Alguns te acompanham por onde você vá, outros você não consegue encarar mesmo mudando de ângulo. Muito, muito impressionante. Também o cachorro, meio cochilando recebendo um afago com os pés de uma das meninas que dão nome ao quadro merece destaque. E ainda o fato do artista nos colocar no ângulo de um espelho. Todos no quadro, inclusive o próprio Velasquez, que se autorretrata na obra, estão de frente a um espelho. 
As Meninas, de Velasquez - foto do site do Museo do Prado.
Nos dois museus logicamente tem muitas outras obras lindas e valem muito a visita, mais ou menos rápida de acordo com o gosto de freguês. Mas não ir é quase um pecado.
Depois de cumprir meu nobre objetivo do dia ainda tive tempo para um passeio no Jardins do Retiro. Bonito, com 400 anos de história, este estilo de jardim real, hiper organizado. Para o meu gosto, até demais. Me fez lembrar uma avó, presente em um dos livros da saga Em Busca do Tempo Perdido, que passava pelo jardim quebrando algumas plantas. Colocavam na conta da senilidade, enquanto ela afirmava que o jardineiro que deixava tudo tão meticulosamente arrumado não entendia nada de natureza! Mas para não ser injusto, vou deixar registrado que o Jardins do Retiro é lindo, muito vivo, muitas famílias com crianças, casais de namorados e desportistas aproveitando sua pista de jogging. 
Depois foi jantar, jamon y pan e regressar ao quarto, ao entardecer, quase nove da noite, horário de verão daqui. Amanhã tem trabalho. Xô preguiça...

Jardins do Retiro

Jardins do Retiro