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domingo, 16 de dezembro de 2018

Riobamba, 14, 15 e 16 de dezembro de 2018

Neve no Equador - cinco mil metros de altura, no Chimborazo

Saí hoje de Riobamba, capital da província de Chimborazo, na região da serra central do Equador. Foram quatro dias de trabalho e um belo sábado de passeio. Ontem, fazendo jus ao lugar que estou, fui ao Chimborazo, a montanha mais alta do mundo, se medida a partir do centro da terra. Ontem cheguei a 5.100 dos seus 6247 metros sobre o nível do mar. O que posso dizer, com licença ao trocadilho quase infame, é que é de tirar o fôlego.

Chimborazo visto da entrada do Parque.
Fui levado por um casal amigo que vive aqui, Vicente e Priscila. Excelentes guias. Já no caminho a paisagem é deslumbrante, pois saímos de Riobamba, a 2800 de altitude e chegamos, de carro, ao parque que abriga o Vulcão, a 4800 metros. No caminho, montanhas altas que são alcançadas, ultrapassadas e se fazem encostas de vales profundos, muitas delas cultivadas por favas, batatas, ervilhas, alfafas para os cuys, as preás tão apreciadas da culinária andina. Pastos e vacas também compõe a paisagem, o que é uma certa lástima, o ecossistema é muito frágil para abrigar animais deste porte. Falando em animais, destaques para as Vicunhas pastando nos montes, estas primas da lhamas, guanacos e alpacas, camelídeos que habitam o mais alto dos andes.
Visual da estrada 
Quando saímos do carro, a esta altura que me referi de 4.800 msnm, já sentimos a diferença da temperatura e, principalmente, o ar rarefeito. A subida até o segundo refúgio leva cerca de 45 minutos, para caminhar 800 metros. Isto mesmo. É íngreme, mas não tanto, um trecho que, se não fosse o ar carente de oxigênio, seria cumprido em cinco, seis minutos, que passariam desapercebidos. Mas, nesta altura... meus guias pacientemente faziam passo com meus passos, breves e lentos. E entremeados de sucessivas paradas para procurar o ar. No segundo refúgio paramos no pequeno bar que dá guarida aos que se atrevem e tomamos chocolate quente, uma receita com cacau, açúcar mascavo e água, trazida de casa pelo Vicente e pela Priscila. Bebida perfeita para dar energia mas não pesar o estômago. Balinhas de cana de açúcar também ajudam a manter a glicose e evitar dores de cabeça ou enjoos de estômago.
Lago a 5100 msnm. O gato aí sou eu.
Pois do segundo refúgio ainda havia mais cem metros a percorrer, em um caminho cercado de neve, até chegar a uma lagoa que muitas vezes se congela nesta época do ano, mas não tive esta sorte de vê-la congelada. Foram mais 15 minutos. Sim, quinze minutos para cem metros. Dali para frente se trata mesmo de esporte para profissionais, que se aventuram a chegar ao cume. No caminho, passamos por um cemitério, onde placas de mármore homenageiam a memória de muitos que deixaram a vida na tentativa de chegar ao topo. Como disse meu guia e amigo, os alpinistas experientes gostam de dizer que o topo mesmo é chegar são e salvo, de volta, em casa.
Eu havia visitado o Chimborazo, mas só até o primeiro refúgio. A experiência de ontem foi inesquecível. 
Reunião em Guamote
Na sexta, ainda dia de trabalho, fomos, na parte da manhã, participar de duas reuniões em Guamote, cidadezinha de dois mil habitantes, há uns 50 quilômetros de Riobamba, famosa por ser habitada quase que exclusivamente por indígenas e por sua feira que ocorre sempre nas quintas e que todos dizem valer muito a pena visitar. Esta perdi, mas pude ver a charmosa localidade, cortada por uma linha férrea, e ir a uma comunidade indígena, há 3600 metros de altura, onde nos esperavam com uma grande mobilização para fazerem suas reivindicações ao representante do Ministério da Agricultura do Estado de Chimborazo, meu amigo Roberto Goirtare, quem me convidou para estar aqui durante estes dias. Sexta de tarde tivemos mais um momento de capacitação em agroecologia para a equipe de oitenta técnicos do Ministério.
Casa tradicional, ao lado da casa nova. Guamote

O interesse que vi na agroecologia por aqui reforça minha percepção que vivemos um momento de crescimento exponencial desta forma de ver e fazer agricultura. Minha tese é que o principal impulso a este crescimento da agroecologia é a crescente vinculação que os consumidores tem feito entre alimentação e saúde.
E assim terminam meus dias em Riobamba e minhas viagens internacionais este ano. Foram sete, sendo apenas uma a um país que eu não conhecia. Tá de bom tamanho, ainda dou minha volta ao mundo.

Reunião em Guamote

Reunião em Guamote


quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Riobamba, Equador, 11, 12 e 13 de dezembro de 2018.

Cerimônia Quechua, de louvor à Pachamama (mãe terra),
no início do evento.

Estou em Riobamba, capital da província de Chimborazo, na região da serra central do Equador. Vim para uma semana de trabalho, no marco da V Jornada de Agroecologia. Uma semana de palestras e cursos sobre este assunto que move minha vida há mais de trinta anos. Sempre um prazer.
Ruas e casas de Riobamba
Riobamba é uma cidade que merece o adjetivo de simpática. Um centro comercial muito agradável, onde podemos passar entre restaurantes, cafés, sorveterias, praças e pequenos comércios. Está a quase três mil metros de altura, o que já nos provoca alterações fisiológicas, como cansaço, algum mal estar e dor de cabeça. Compensados totalmente pela bela paisagem dos páramos andinos que circundam a cidade. E, como guardião da paisagem, e dos seres que a habitam, o Chimborazo, um vulcão inativo, que no alto dos seus mais de seis mil metros de altura domina, com absoluta elegância, o ambiente. Visitei-o uma vez e me prometeram um reencontro para sábado próximo, meu dia livre por aqui. Espero que se confirme. Prometo fotos.
Casa colonial
Cheguei na segunda dia 10, tarde da noite, e passei terça, quarta e quinta fechado em salas e auditórios. O pouco tempo que tive aproveitei para ver um pouco das suas praças, são muitas, e entre uma e outra caminhar por ruas com sua vistosa arquitetura colonial, que consiste em casas construídas pelos colonizadores espanhóis, que por sua vez remontam aos árabes, senhores de boa parte da atual Espanha por quase cinco séculos. Entrei em duas destas casas, uma abriga hoje um museu, outra um restaurante. Portas em arco, pé direito alto, dois andares, um lindo pátio interno normalmente florido e cercado por refrescante varanda. Afinal, faz calor lá pelos lados das arábias... No lado externo, varandas, no segundo andar, ornadas de vasos floridos.
 Mas, como eu dizia, nestes três dias trabalhei muito e conheci pouco. Aqui no Equador, como em todas partes, se nota um interesse crescente pela agroecologia, ou Agricultura Ecológica. Vou contar aqui três coisas que falei nas minhas palestras. Para os agricultores contei que Agricultura Ecológica é um ato de amor. 
Auditório principal da Universidade de
Chimborazo, local do evento terça e quarta.
Expliquei que muitas vezes não usamos esta palavra, mas tratar o solo com carinho e respeito, fornecendo a ele, e consequentemente às plantas, sua alimentação preferida, a matéria orgânica, é um ato de amor. Contei que muitos dos ditos cientistas têm chegado à conclusão que a vida no planeta se impôs através de atos amorosos, como a simbiose, onde dois seres vivos se juntam para se beneficiarem mutuamente, e não pela competição. Adoro falar isto, explico com calma, e curto muito a receptividade desta prosa com eles.
No segundo dia, mais para os técnicos, falei da fotossíntese como o elemento mais importante para uma boa prática na agricultura. Fotossíntese é um fenômeno, capitaneado, de produção de massa verde, flores e frutos a partir da energia do sol e de elementos inorgânicos da água e do ar. A vida no planeta só existe por causa deste milagre da natureza. Em tom de semi-piada, chamei a fotossíntese de milagre original, lhes disse que a fotossíntese pode ser vista como a mãe de todos os milagres!
Evento com estudantes, na faculdade de
agronomia
Para os estudantes, com quem trabalhei hoje, contei, entre outras coisas, sobre a compra, ano passado, da Whole Foods pela Amazon. Expliquei que a Amazon é uma das gigantes de informação do mundo. Que, assim como o Facebook e o Google,  sabe sobre nós o que nós mesmos não sabemos. E que a Whole Foods é a maior cadeia de supermercados de produtos orgânicos do mundo, com presença forte na América do Norte. Perguntei porque uma empresa que é uma gigante da informação, que sabe tudo sobre nossos gostos e interesses, faz sua maior inserção no mundo físico, 13,7 bilhão de dólares, para comprar uma cadeia de comidas orgânicas. Será que ela sabe que os millennials querem se alimentar de uma maneira diferente do que os seus pais?
Enfim, como não tenho muito do que falar de Riobamba, porque ainda a vi pouco, deixo por hoje apenas estas reflexões que compartilhei nestes dias de trabalho. Quem me acompanha sabe que curto muito fazer o que faço, estes dias aqui não tem sido diferente. Agora, em um momento relax, acabo de escrever este post em um bom café, o Café Express, na esquina da praça da estação. Sábado, se me inspiro, escrevo sobre minha ida ao interior da província e ao Chimborazo!