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terça-feira, 25 de março de 2014

Santa Cruz de la Sierra, 23 a 26 de março de 2014.

Visual interno do El Ajibe
Escrevo este post vislumbrando um belo entardecer do meu quarto de hotel em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Vai ser o único relato que escreverei nesta minha meteórica passagem por aqui. Cheguei anteontem, domingo, e amanhã, quarta-feira, já embarco de volta para casa. Pena, aqui perto está o Forte de Samaipata, um sítio arqueológico muito interessante que já descrevi aqui, e não tão perto umas famosas Missões Jesuíticas que não conheço, mas desta vez deixei passar.
Nosso Seminario nas dependências de Heifer - Bolívia
Vim para continuar uma consultoria que comecei ano passado sobre a implementação de Sistemas Participativos de Garantia (SPGs) para produtos ecológicos aqui no departamiento de Santa Cruz. A Bolívia é um dos países que implementou um Marco Legal para a Agricultura Orgânica, com a Lei 3525 e sua regulamentação, que incluiu os SPGs como um mecanismo válido de dar credibilidade a estes produtos. Assim, este é um assunto muito presente no mundo da Agricultura Orgânica na Bolívia. Para mim é sempre curioso ver um tema que trabalhei desde o início, que fiz parte do grupo inicial que gerou a ideia e o conceito, ser agora tão debatido e inclusive incorporado em legislações.
Ver um texto que escrevi ter parágrafos ou conceitos incorporados em Leis é bastante gratificante, mas acima de tudo, repito, curioso. Dá uma dimensão de como as ideias surgem, se materializam, se socializam e invadem a vida das pessoas. Dá uma sensação estranha ao perceber como as coisas são definidas e decididas e ainda fico com a leve percepção de que não é tão complicado influenciar nos rumos das coisas, do mundo. Se não sabemos como, parece impossível, mas, como sabe o vaqueiro experiente, vendo por onde os burros passam aprendemos o caminho.
Trabalhei a maior parte do pouco tempo que tive, mas ainda consegui fazer algumas coisas. Dentre elas revi alguns amigos, o que é sempre agradável. Encontrei Tania Tapia. A conheci em Espanha, onde passamos juntos quase três meses fazendo os créditos do nosso mestrado. Reencontrá-la agora, 18 anos depois, e ver nossas fotos desta época foi muito legal. Definitivamente, la vida es sueño.
Detalhe da decoração do El Ajibe
Não passeei, mas comi algumas comidas saborosas, simples e interessantes. O restaurante do Hotel Las Palmas era bastante correto, comi ali um belo Surubim ao alho com batata frita (adoro um fish and chips!), acompanhado de uma cerveja artesanal, a Corsa, que gostei muito. Me informei e é feita por um alemão que vive aqui. Não sei porque, mas não me surpreendi com esta informação. Mas aqui em Santa Cruz gosto mesmo é do restaurante El Ajibe (www.elaljibecomidatipica.com), onde já havia estado outras vezes.  
A casa é antiga, cerca de 130 anos, não tão bem conservada, e a decoração tem esta estética que me encanta, mesclando muitas coisas que podem ser chamadas de cult como telefones pretos, relógios de parede e máquinas de escrever antigas e outras que são normalmente chamadas de kitchie, como gaiolas com pássaros de plástico ou símbolos de clube de futebol. Me perco observando cada detalhe e tentando entender a lógica de quem colocou cada coisa em cada lugar.
Mas a decoração é só a moldura, a comida é o melhor do quadro. Comi ali duas vezes. Em uma pedi majadito de charque (arroz com carne , ovo e banana frita), que é o prato principal da casa, e na outra picante de pollo, galinha com um molho de pimenta, acompanhada de arroz e maionese de chuño, uma batata desidratada por um processo bem engenhoso, alimento indígena muito comum no altiplano andino. Para beber sempre mocochinchi, o refresco típico daqui, feito à base de pêssego seco, canela e cravo da índia. Ano passado levei este pêssego seco pra casa e o mocochinchi fez sucesso, este ano levo de novo. Comprei também para levar chocolate orgânico, com cacau silvestre da Amazônia Boliviana. E claro, quinua e amaranthus, dois conhecidos cereais andinos.
Vou nesta jantar, o sol já se foi, o post também, fiquei com Passagem das Horas e Renaisance, agora rolando Can you understand. Termino com o inicio do poema: Trago dentro do meu coração,/ Como num cofre que se não pode fechar de cheio,/ Todos os lugares onde estive,/ Todos os portos a que cheguei/ Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias/ Ou de tombadilhos, sonhando,/ E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
E tudo isto, que é tanto, é pouco para o que quero!