Catedral de Colônia - o ponto turístico mais visitado da Alemanha. Dentro dela estariam as ossadas dos três Reis Magos. |
Hoje é sábado e estou em Colônia, Alemanha,
desde quarta-feira. Vim direto de São Tomé, passando por Lisboa. Sair de um
país pequeno, do continente africano, financeiramente pobre, e vir para um dos
locais mais ricos do planeta é uma oportunidade única para entender algo do
nosso inexplicável mundo.
Querem saber o que entendi? Isso, que ele é
inexplicável.
Vista do Neumakt |
O que me traz à Colônia é um convite diferente
dos que estou acostumado a receber, quase insólito. A Fundação C&A, essa mesma, das
lojas de roupas, organizou um processo com algumas pessoas que ela identificou
que poderiam colaborar para prever algo sobre o futuro da indústria da moda.
Pessoas de todos os continentes, grupo pequeno, pouco mais do que vinte. Dos
que me leem, aliás cada vez em número menor, meus filhos já me explicaram que
blog é um meio arcaico de se comunicar, não sei quem já refletiu sobre a
loucura do mundo da moda. Porque compro uma roupa chique em uma loja cara em
Milão e encontro, quase discretamente, uma etiqueta Made in Indía? Como uma roupa chega da China na minha pequena
cidade e é vendida em uma loja de “tudo por vinte reais”? Quais os custos de
uma transação como essa? Qual o impacto sobre o meio ambiente, quanto ganhou um
trabalhador dessa cadeia de produção?
Galera discutindo sobre a industria da moda! |
Essas são as duas perguntas fundamentais dessa
reunião que participei. Como a indústria da moda poderá responder a esses dois
problemas: pobreza e sustentabilidade. Ao menos garantir que seus processos
tenham impacto positivo sobre essas duas questões. Impacto é uma dessas
palavrinhas da moda. Ouvi aqui que os investidores, de qualquer setor, não se
preocupam mais apenas com análises de riscos e retornos. Também querem medir
impactos positivos das ações derivadas do seu investimento. Imagino que, se não
todos, ao menos alguns deles. Na reunião ouvi algumas das ideias que esses tais
especialistas, eu incluído (sic), levantaram. Economia circular é outra palavra
da moda. Deveriam as grandes marcas, C&A é uma delas, ter um vigoroso setor
de roupas usadas nas suas lojas? Deveriam estimular seus clientes a levar para
trocar as roupas que não querem mais? Ou deveriam ter obrigação sobre
seu lixo? Nesse último caso, seria sua responsabilidade dar um destino às roupas
vendidas por elas e que não mais interessam a quem comprou.
Na Suécia, isso já acontece com o lixo. Olha
que show: uma lata de coca-cola que está no chão de uma cidade sueca é responsabilidade
da coca-cola. Legal né? Adivinha o que a empresa faz? Máquinas de coleta
espalhadas pela cidade, você leva a lata na máquina e tira uma graninha por
cada uma que entregar.
Ruas de Colônia |
Ah, esqueci, não podemos fazer isso porque
seria tirar a liberdade das empresas... uma lata no chão é culpa minha ou sua
que a jogamos ali. Resolvido. Responsabiliza-se o cidadão e onera-se o estado, responsável
por dar destino a essa lata. As empresas nadam em águas serenas.
Voltando às roupas, à indústria da moda, talvez
mais preciso dizer à perversa indústria da moda, como ela poderia ser mais
contemporânea? Menos século XIX, mais século XXI?
Esta é a tal pergunta de um milhão de dólares,
que esse processo que estou participando quer responder!
Em São Tomé, capital de São Tomé e Príncipe, de
onde acabo de vir, nas praças e em cada esquina, vemos vendedores ambulantes de
roupas. Que roupas? Roupas doadas pela Europa. Europeus que sentem-se
sensibilizados com a pobreza africana. Bonito isso, e falo sem ironia. Mas doam
do que tem ou do que sobra? Doam roupas ou lixo? Estive na África algumas
vezes, Moçambique, Uganda, São Tomé e outros. É visível que a oferta que vejo
nas ruas, de roupas usadas, é superior às suas necessidades. Certa vez
comprei um short da adidas com um desses vendedores. Dois euros. Cobrou caro
porque eu era estrangeiro. Antes que alguém pense, não considero errado vender
o que ganharam. É uma maneira de fazer um sistema de distribuição funcionar e
de circular certa grana. Nesse caso, e não é o único, o pecado está mais na capital, menos na periferia.
Voltando ao que comentei, sendo a oferta superior às necessidade, sobra muita
coisa. E o que sobra, o que é? Lixo. Lixo europeu, devida e solidariamente exportado
para África. E não é só com roupa nem só com países africanos que ocorre isso.
Lembro quando o Brasil liberou a importação de pneus usados... pneus... hahaha
e pqp... não sei se ainda está em vigor, mas que rolou, rolou.
Schildergasse |
Bom, a prosa é longa. A reunião foi
interessante e, ao sair dela, caminhei pela famosa rua Schildergasse, o point
das compras em Colônia. Todos de sacola na mão. As grandes marcas, Zara, HM,
Nike, e tantas outras, em liquidações de verão. Pensei na
sustentabilidade da indústria da moda... Passei na C&A e vi camisetas de
algodão a € 1,40. Pensei nos produtores de algodão, nos trabalhadores das
fábricas. Em quanto eles ganham... Fiquei calculando em quanto tempo essas roupas estariam disponíveis
nas ruas de São Tomé... Não, não é uma equação fácil de responder...
Não posso achar ruim que as empresas
preocupem-se com isso. Pelo contrário. Se a preocupação é sincera e se está
disposta a cortar na própria carne, acho muito bom. Não sei, prefiro crer que
sim, ser intelectual pessimista todo o tempo deve cansar, por sorte não sou nem
um nem outro.
Deprimido com tantos pensamentos, com tantas
perguntas sem respostas, fui procurar uma cervejaria, para tomar a famosa
Kölsch, a cerveja de Colônia! Acompanhada de salsichas e batatas!
A cidade é muito simpática e nesses dias pude
caminhar por ela, pelas estreitas ruas da cidade antiga, ver sua famosa
catedral, tomar cafés e sorvetes, comprar comidinhas orgânicas para levar.
E esse será meu único post de Colônia. Amanhã já regresso à casa, nesses dias aqui, além
da reunião e de andar pela cidade (curti muito a Haupmarkt), aproveitei para descansar no excelente hotel que
fiquei, o Pullman Cologne, e escrever
dois capítulos do Vozes da Agricultura Ecológica 2, que tenho desejo de lançar
ainda este ano. Veremos!
Na próxima viagem
internacional, que não sei qual será, conto mais. Fui!