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domingo, 27 de maio de 2018

São Tomé e Príncipe, 25 e 26 de maio de 2018


Hospital da Roça Água Izé
Ontem e hoje, meus últimos em São Tomé e Príncipe, passeei muito e trabalhei pouco, ainda que eu tenha constantemente dificuldades em separar um de outro.
Cascata São Nicolau
A ilha é pequena e em um dia é possível recorrer todo o país. Não cheguei a tanto, mas vi muita coisa. Uma delas a Cachoeira de São Nicolau. Bonita, um bom banho, com a força da cachoeira e a água fria lavando a alma e despertando o corpo, mas o que chama mesmo a atenção é a natureza exuberante ao seu redor.
Conheci algumas praias lindas. Talvez a mais bonita a das Sete Ondas, absolutamente deserta, entre duas montanhas verdejantes. Perto dali vi a Boca do Diabo, uma pequena falésia junto ao mar, onde, do alto, mas não distante, vemos as ondas correndo sob uma rocha e eclodindo em determinado ponto onde encontra saída em meio a esta mesma rocha. Belo espetáculo de força da natureza. A praia da lagoa azul também é linda, assim como a privativa do Club Santana, um resort que fica a poucos quilômetros da capital São Tomé, onde por uma taxa é possível desfrutar dos seus aprazíveis e caros serviços. As estradas ladeando o mar também são um espetáculo. Pena que suas condições de conservação e o fato de serem estreitas e sem acostamento exigem atenção redobrada ao dirigir, impedindo o motorista de saborear um pouco mais a bela paisagem.
Boca do Inferno
Mas, em que pese a beleza natural das praias e cachoeiras, não foi isto que eu mais gostei de conhecer aqui em São Tomé. Praias ou cachoeiras bonitas eu já havia visto. O que vi aqui, e só aqui, foram as Roças. 
As Roças são as antigas fazendas de cacau, algumas poucas de café, que tantas riquezas, a seu tempo, geraram para seus proprietários. Com uma estrutura admirável. São algumas dezenas na ilha de São Tomé, algumas poucas na ilha de Príncipe. Originalmente os seus donos eram portugueses e moravam em Lisboa. Alguns deles vinham ver sua propriedade uma vez a cada dois ou três anos. Outros nem isto. A roça era tocada por um administrador de confiança. O trabalho era todo realizado pelos negros que eram trazidos para cá, vindos principalmente de Angola. Inicialmente como escravos, posteriormente como escravos disfarçados de assalariados.
Roça Água Izé
Depois do decreto que acabou com a escravidão nos território portugueses, em 1875, os negros vinham como trabalhadores livres, inclusive com contrato assinado que lhes dariam salário e outros benefícios como escola para os filhos ou cuidados médicos. Papo furado... Uma das Roças que visitei foi a Monte Café. Eles mantém um Museu do Café, onde pude ver estes contratos, alguns assinados com impressão digital, o que demonstra que eles não tinham ideia do que estavam assinando. Pude ver também o livro caixa, onde eram lançados seus salários e as dívidas que contraiam com os serviços que lhes eram prestados, como casa e comida. A comida era de péssima qualidade, muitas vezes farinha e água. Mantinham-se saudáveis e dispostos ao trabalho pela riqueza de frutos que cresciam e crescem na ilha. Uma delas a fruta-pão. 
Fruta - pão
Olha que nome mais lindo: Fruta-pão. A oferta de peixe também é praticamente ilimitada, mas não sei se os negros tinham acesso ou tempo para pescar. As ditas casas eram as senzalas, onde viviam em condições muito para cá de precárias. Vi também fotos da primeira 
e da última hora diária de trabalho, com os escravos todos enfileirados, para serem contados e o feitor ter certeza que nenhum fugiu. Fugir para onde? Estamos em uma ilha de dimensões bem reduzidas. Muitos fugiam para se embrenharem na Floresta Ôbo, tão fechada que os brancos ali não entravam. Reza a lenda que também os negros não saiam de lá. Ou seja, fugir era um ato de absoluto desespero, em direção à solidão de uma floresta tropical úmida e à morte.
Visual da Roça Água Izé. Cheia de gente,
 mas tento tirar foto quando não estão,.
.
A chance de ver uma Roça aqui é voltar no tempo, porque a paisagem nos remete diretamente aos séculos 18, 19, início do 20. Ainda vemos as casas, as senzalas, escolas e hospitais, que hoje servem de moradias. As Roças ainda estão vivas, habitadas, cheirando a passado, impedindo-o de se calar e trazendo-o para o presente. Algumas delas em ruínas, ainda assim habitadas, outras transformadas, ao menos uma parte, em lindos hotéis. 
A Roça Monte Café hoje está com metade de sua área a procura de um investidor e a outra metade, 250 hectares, dividida pelo governo entre os trabalhadores, que se organizaram em torno de uma cooperativa de Café Biológico (orgânico). Comprei uns pacotes... delicioso! Ali pude ver a senzala, habitada, muita gente, todas as idades. As condições ruins não lhes impede o gesto gentil com os que os visitam. As crianças pedem doce insistentemente. Ainda bem que eu não tinha.
Museu do Café, Roça Monte Café
Outra Roça muito  interessante que visitei é a Água Izé. Não sei o que é feito de suas lavouras de cacau. Mas a estrutura, casas, senzala, hospitais e escola, está em ruínas, mas nem por isto pouco habitada. Fiquei de fato impressionado e não sou capaz de descrever o que vi. Realmente não sei se vi pobreza, miséria ou apenas condições diferentes de vida. De todos modos o que considero o conforto mínimo para satisfazer nossas necessidades não estão ali presentes.
E a terceira roça que vi e entrei é a Santo Antônio. Esta foi em parte transformada em hotel, mas ao lado está a senzala e a população local vivendo nas mesmas condições que não descrevi acima, por total falta de capacidade de colocar no papel o observado e sentido.
Na Roça Santo Antônio vi um dos quartos do hotel, localizado na antiga casa do administrador. Estava impecável. Simples e acolhedor. Escolhi que fico ali quando voltar. Quando volto? Acho que nem Deus sabe!

Mulheres lavando roupas

3 comentários:

  1. Lindo o texto Laercio!
    Gostei da foto do hospital, muito bonita a arquitetura! E ainda bem que não tinha doces para oferecer! Grande abraço! Horácio.

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  2. Quanta vida e história há nos trópicos!! Obrigado por emprestar os olhos e pensamentos!

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  3. Como, se não pelos olhos e pela sensibilidade de um caminhante como tu, conhecer esses lugares tão... "fora do mundo"? A foto do rio-lavadeiras-bananeiras é especial.

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