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segunda-feira, 21 de maio de 2018

São Tomé e Príncipe, 19, 20 e 21 de maio de 2018

Casarão envelhecido em /são Tomé, resquício
da época coloni
al

Cheguei na cidade de São Tomé, capital de São Tomé e Príncipe, no sábado à noite. Fico aqui neste pequeno país Africano, situado no Golfo da Guiné, a leste do Gabão e da Guiné Equatorial, os dois países continentais mais próximos, até sábado. Vim para uma capacitação em Sistemas Participativos de Garantia, à convite de IFOAM, a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica. 
A horta aqui é uma certa amputação
da natureza...
Nestas 48 horas que me encontro nesta ilha vulcânica, dois momentos dignos de nota. Um deles é a ida à zona rural, ontem, domingo, pela manhã. Nos arredores da cidade visitamos três campos contíguos de hortaliças. Vi canteiros de cenoura e alface, tomates e pimentões tanto a campo quanto em estufas. Vi ainda pimenta malagueta, milho, quiabo, inhame e alguns outros pequenos cultivos. Mas não é isto que chamou minha atenção, mas sim a intensidade da natureza. O solo da ilha é presumivelmente rico em minerais, exatamente fruto da sua origem vulcânica e da sua jovialidade em termos geológicos. A presença de minerais, aliada a intensidade de sol e chuva de um trópico úmido, faz o verde vir por todos lados com um vigor que quase assusta.
Meu momento fotógrafo!
Não precisei adentrar em nenhuma mata para imaginar o que passaram os colonizadores desta ilha na tentativa de domá-la, se é que o termo é cabível. A palavra colonização aqui cabe com precisão, porque os navegadores portugueses que chegaram, em 1470, exatamente no dia de São Tomé, encontraram uma ilha desabitada. Alguns anos depois começaram a vir portugueses buscando nela sobreviver como funcionários de fidalgos que haviam sido contemplados com terras em um sistema de capitanias hereditárias, tão conhecido dos brasileiros. Após um período de tentativa frustrada de colonização branca, constantemente vitimados por doenças tropicais, a aposta foi trazer negros capturados de outros lados, principalmente no que posteriormente se denominou Angola e iniciar o cultivo de cana de açúcar, no que foram muito bem sucedidos por algum tempo, antes de ver seu declínio. O ciclo da cana do Brasil foi uma das razões por este cultivo ter entrado em decadência em São Tomé, tendo sido substituído pelo café e pelo cacau, que se destacam até os dias de hoje. São Tomé e Príncipe também sempre foram ponto de apoio na rota comercial para Índiae no tráfico de escravos para o Brasil. 
Visual do Atlântico, São Tomé.
Pois voltando ao que vi no campo, o verde é de uma avidez por se instalar que, contrariando a canção, mesmo em pedras recentemente mudadas de lugar vi limo crescendo. Existe um dilema agroecológico em contextos como o que estou vendo aqui, não pela primeira vez na minha vida. Cultivar tomates ou alfaces em um ambiente como este é quase uma heresia ambiental. Mas situações bem cotidianas, como hábitos de consumo importados ou a presença de turistas na ilha são parte da razão da demanda e, por consequência, do cultivo destas espécies. Ocorre que quanto maior a distância entre o ecossistema original de uma planta e o ecossistema onde se pretende cultivá-la mais difícil é a sua adaptação. Menos adaptada, uma planta pode se mostrar mais sensível a determinadas enfermidades ou ataques de alguns insetos, as ditas pragas. Pronto, o agrotóxico se sente convidado... a distância que me referi não é geográfica, mas sim na arquitetura dos ecossistemas, que é fruto da intensidade da luz ou da chuva e da presença de nutrientes nos solos. 
Tomate... que saudade dos Andes...
Vou dar o exemplo do próprio tomate. Ele é originário dos Andes, que é um ambiente frio e seco. Aqui é quente e úmido. Adaptação difícil, e mais difícil ainda não artificializar o ambiente para viabilizar sua produção. Estufas ou venenos, que vi ontem no campo, são parte desta artificialização. 
Parece que já comecei o curso de amanhã, o agrônomo começou a fazer discurso... vou então mudar de assunto e falar da segunda coisa que considero digno de nota dentre as que vi nestes dois dias: a fábrica de chocolates do Cláudio Corallo (www.claudiocorallo.com). Impressionante a qualidade do chocolate que este Italiano, radicado no país há mais de 40 anos, faz. Com cacau cultivado por ele mesmo, na Ilha de Príncipe, onde é despolpado e seco. Posteriormente vem para São Tomé, onde é transformado em chocolate. Segundo a explicação que nos foi dada, ele emprega a lógica que aprendeu trabalhando com azeite de oliva na Itália. 
A pequena fábrica de chocolate - explicação
 aos visitantes
Quanto menos processado a oliva, a partir de um fruto de qualidade, mais o azeite irá manter as qualidades de sabor e aroma originais do fruto. Assim, seu cacau é processado o mínimo possível, e seu chocolate tem real sabor a cacau. Com extremos cuidados no plantio, cultivo, despolpa e secagem do cacau este real sabor é realmente muito agradável. O exemplo didático que nos foi dado foi da sangria. Não é tão importante um vinho de qualidade para fazê-la, já que tanta coisa será agregado que não irá fazer tanta diferença o sabor original do vinho. Colocando na fabricação de um chocolate leite, lecitina de soja, açúcar, baunilha e muitas coisas mais, o quanto importa a qualidade do cacau? Pouco... Hoje provei, por exemplo, um chocolate com 80% cacau e 20% de açúcar. Mais o que? Nada, absolutamente nada. Mais uma prova de que o sofisticado mora no coração da simplicidade.
Enfim, fiquei impressionado. Muito. Não sei se já comi chocolate melhor na vida. E com tantas provinhas saí da fábrica ligadíssimo. Afinal o cacau é estimulante. Estou aqui, passado da meia-noite e sem nenhum sono.
Mas vou tentar dormir, amanhã tem uma turma grande esperando pela formação que me trouxe aqui, é bom não decepcioná-los muito. E nem falei da culinária, já comi uns pratos à base de peixes deliciosos por nesta ilha. E nem falei dos mercados... olha aí ao lado... é, acho que não foram apenas duas coisas interessantes entre ontem e hoje em São Tomé.

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