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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Maputo, 29 de outubro de 2014.


vistas às machambas
Como era previsto, o dia hoje foi intenso. Às sete da manha me buscaram e fomos direto ao campo, depois de uma breve passagem pela Casa Agrária, uma estrutura do Governo e onde a ESSOR, ONG com a qual estou trabalhando aqui, tem um dos seus escritórios. No campo visitamos duas associações de mulheres que produzem em suas machambas hortaliças orgânicas, ou sem químicos, como eles tem se referido ao trabalho que realizam.
Machamba é uma excelente palavra para área de cultivo. Parece que também tem um sentido que engloba as áreas que somam cultivos, pátio, morada. No Brasil carecemos de uma boa palavra para estas áreas. Usamos propriedade, sítio, granja, colônia,  e tantas outras, mas nenhuma delas é precisa. Gostei de machamba.
embaixo de uma mangueira, proseando...
Em uma destas machambas cheguei e o grupo de mulheres estava plantando abóboras, rindo e cantando. Lindo. Uma música ritmada que marcava o trabalho. A letra devia ser divertida, mas desta foi que eu não entendi nada, já que elas cantavam em algumas das tantas línguas locais que se fala por aqui. Me senti na África.
Almocei na Casa Agrária mesmo, um arroz com galinha delicioso, com um tempero diferente, que se entendi bem eles chamam de caril, embaixo de uma mangueira, acompanhado da equipe da ESSOR. A tarde foi passada no escritório, conversando sobre o trabalho que eles desenvolvem de estímulo à produção e consumo de produtos orgânicos.
Nesta conversa aprendi algo absolutamente interessante. Deixa eu contar, com uma breve digressão. Quando eu e Ana saímos da faculdade, fomos estudar para um concurso do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Vou pular tanto a parte que contextualiza este concurso, cujo resultado nunca saiu, quanto a parte das teorias sobre a razão da queda do avião no qual viajava o então presidente do INCRA, o pernambucano Marcos Freire. Vou apenas falar que uma das leituras obrigatórias deste concurso era um livro intitulado “A Crise Agrária”. O autor, Alberto Passos Guimarães, descreve neste livro as razões da profunda crise que passava, e ainda passa, o setor agrário. E argumentava com muita propriedade que a única solução seria  a terra perder seu valor de troca. Simples assim, terra não se compra e, por conseqüência, não se vende, apenas se usa. Lembro que na época achei sensacional a idéia e fiquei pensando em como isto seria impossível. Pois bem, aqui em Moçambique é assim. Não se negocia terra. 
reunido com as mulheres
Os Agricultores tem um DUAT – Direito de Uso e Aproveitamento da Terra. Depois de dez anos na mesma terra, este DUAT assume um caráter um pouco mais definitivo, a terra pode ser passada para os filhos, mas não pode vender... Sensacional, terra para quem está a fim de trabalhar nela, nada de ter ou comprar terra como reserva de valor. Parece louco né? É porque a propriedade privada se tornou de dois séculos para cá uma instituição sagrada, imexível diria o Magri, mas na história da humanidade nem sempre foi assim, pelo contrário, o uso comum dos bens naturais sempre foi a tônica.
É legal saber que as regras sociais, as Leis, são feitas por nós, não existem desde sempre e nem precisam durar mais do que o conveniente para a maioria. Parece óbvio, mas existem muitas regras que se petrificam culturalmente e acabam dando a sensação que são “naturais”. Não são.
       Devo dizer também que existem subterfúgios usados pelos detentores de DUATs para negociá-os, como por exemplo vender as benfeitorias, repassando assim os DUATs. Mas estes subterfúgios não mudam a essência, terra, como tal, não se negocia.
Mercado Municipal
À tardinha ainda tive tempo de passear rapidamente por uma parte do centro da cidade, chamado Baixa. Fui à três lugares. Primeiro, claro, no Mercado Municipal, legal, alguns produtos locais, mas só comprei um tempero picante, já era tarde e muitas bancas estavam fechando, terei que voltar para poder vê-lo com mais calma. Depois fui à Casa Elefante, uma loja, o lugar mais característico da cidade para se comprar aqueles tecidos multiusos tão típicos de vários países da África e que aqui em Moçambique chamam de Capulana. Comprei alguns, claro, mas muito difícil escolher, são centenas de motivos e ainda com variações de tamanhos e qualidade do algodão.
Terminei o dia jantando em um restaurante português, o Bella Madallena. Comi bacalhau e pastel de Santa Clara de sobremesa. Vida difícil...

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