Pesquisar este blog

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Maputo, 31 de outubro de 2014.

Reunião com as mulheres, no campo
E não é que hoje eu descubro que enquanto eu caminhava tranqüilo pelas ruas de Maputo ontem, de noite, havia um clima de distúrbio no ar, o comércio e escolas fecharam mais cedo e a sensação era de temor? Ontem, 15 dias depois das eleições, saiu o resultado, e a oposição não está aceitando a derrota.
Copio um jornal local: “Os resultados finais apontam para a vitória de Jacinto Nyusi à primeira volta, e para a obtenção de uma maioria absoluta pela Frelimo na Assembléia da República de Moçambique. Nyusi, futuro presidente, obteve um total de dois milhões setecentos e setenta e oito mil votos, correspondentes a 57.03 por cento. Já Afonso Dhlakama, o candidato da Renamo, obteve 36.1 por cento, correspondentes a um milhão setecentos e oitenta e três mil votos”.
A coisa aqui é complicada, este país ainda vive resquícios da guerra civil, que começou em 1977 e só terminou 15 anos depois, com um saldo de mais de um milhão de mortos, fome generalizada e minas terrestres que até hoje ainda matam moçambicanos. E ela se deu exatamente entre a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), que se transformaram em partidos e que ainda disputam o poder, com este último sempre reclamando e contestando os resultados. Eles que ameaçaram fazer protestos ontem, que começam como políticos e deságuam em baderna. E o bonitinho aqui passeando, de boa... Deus ajuda!
Uma área de machambas, muito interessante, com frutíferas
separando elas, dando um ar de "quintal agroflorestal".
Em termos de trabalho, o dia hoje repetiu o de ontem, visita a machambas, conversa com homens e mulheres agricultoras. Uma das cenas que vivi sei que vai ficar guardada: um grupo de agricultoras, mais mulheres que homens, os técnicos da equipe, eu, todos sentados no chão, conversando sobre a produção, eles conversando numa língua local, as mulheres com suas capulanas, lenços na cabeça. Por um momento me senti quase em outra dimensão. É que são muitos mundos no mesmo mundo, às vezes me perco. Um último detalhe. Pude ver duas ou três delas cochilando, ali mesmo, sentadas na terra... imagino que cansadas...
De tarde fomos visitar uma txova que vende produtos sem uso de químicos. Quer saber o que é uma txova? Olha a foto aí ao lado. Aqui muita coisa ainda é feita na mão!
Uma txova com produtos sem uso de pesticidas
Depois,  do trabalho, que terminou antes do fim da tarde, ainda tive tempo de ir tomar um expresso e comer um excelente doce português em uma pastelaria (doceria/café/padaria) chamada Taverna. Fica na Av. Mao Tse Tung. Moçambique viveu sua revolução socialista, em meados dos 70, e ainda existem traços dela, e um deles é o nome das ruas, todos os líderes socialistas que já ouvi falar andam por aqui, em placas pregadas nas casas de esquinas das ruas e avenidas.
No início da noite fui a um bar, três quadras de onde estou, na Rua Resistência, chamado A Loirinha. Bem simples. Havia passado em frente duas vezes e fiquei com vontade de tomar uma cerveja em um lugar menos sofisticado. 
Loirinha, um point às sextas-feiras, tradicionalmente
               conhecida como o dia dos homens aqui em Maputo
O Bar estava cheio, não lotado, umas 40 pessoas, 90% homens. Todos bebendo e tentando conversar no meio da música, lamentavelmente eletrônica, nada local. Gostei de ter ido, e me chamou a atenção eu não ter chamado nenhuma atenção. Em uma primeira vista pode não parecer, o aspecto não te leva a imaginar isto, mas Maputo é bastante cosmopolita. A história explica, um porto milenar, há mais de 500 anos rota de comércio entre o oriente e o ocidente, foi disputada e colonizada por diferentes Reinos, viveu uma guerra civil pesada, tem intimidade com a fome e a morte, não seria minha presença em um bar que iria surpreendê-los. 
Fui, amanhã espero ver um pouco mais da cidade.

Passeando pelo campo, me deparo com esta imponente árvore.
Alguns galhos caíram, ficar ali de bancos,  formando um belo escritório.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Maputo, 30 de outubro de 2014.

       
Nesta foto aparece a área e suas inúmeras machambas,
mas não muita gente trabalhando.
          Hoje foi mais um dia intenso de trabalho. Saí cedo e fomos visitar mais produtores/as nas suas machambas. Mais um dia de aprendizado. Vou tentar descrever a cena. A paisagem é de uma várzea, grande, dezenas de hectares, ao fundo o rio. As áreas de cultivos são muito pequenas, entre 500 e 1000 m². Contiguas, uma do lado da outra. Então, o que vemos são dezenas de trabalhadores, próximos, alguns são os donos da machamba e outros os seus funcionários. Sim, mesmo em áreas tão pequenas, ainda se dão ao luxo de contratar trabalhadores. Em países pobres, com excesso de mão de obra, sempre tem alguém mais pobre que aceita trabalhar por um valor que o contratante acha que vale a pena para que ele próprio possa trabalhar menos. No Brasil acontece o mesmo, ainda que cada vez menos.
Georgina, agricultora, 
na sua machamba
          Voltando ao visual, é uma grande área, com muita gente trabalhando, mosaico de hortaliças (predominando alfaces e couve, mas também vi beterraba, cenoura, vagem, ervilha, nabo, brócolis, etc.) e suas cores, céu azul, calor. Me fez ir a cenas de filmes que se passam na Índia ou aqui mesmo na África.   A parte triste é o forte uso de agrotóxicos. Por exemplo Tamaron, um inseticida nefasto e proibido em vários países do mundo. As indústrias químicas navegam pelo planeta com uma lógica que pode ser resumida assim: quanto menos leis e presença do Estado, mais eu me divirto. Lamentável. Quer outro exemplo? Em vários países da África, Moçambique é um deles, é permitido DDT para controle da Malária. Questão de saúde pública, brada a indústria e seus prepostos. Na real, sabemos todos, interesses escusos de mercado. Outra vez, lamentável.
      De tarde outra vez foi no escritório. Ontem ouvi sobre o projeto desenvolvido aqui, hoje foi meu dia de falar, sobre produção, comercialização e certificação de produtos ecológicos. 
Pulverizando tamaron
 Fim do dia e resolvi flanar por Maputo. Não me dei bem. Difícil, não conheço a cidade, e ela não é exatamente bonitinha... acabei desistindo, pegando um táxi e indo a um restaurante indiano, para salvar o passeio. É de onde estou escrevendo, tomando uma cerveja, comendo meu Garlic Naan (pão típico indiano com alho) e um cabrito com curry e pimenta. Segundo o cardápio apenas para estômagos fortes! Nem tanto.
 Depois do restaurante tomei um sorvete italiano na mesma rua do restaurante, a A. Julius Nyerere, nome do primeiro presidente de Moçambique, e saí buscando um táxi. Não achei e decidi voltar caminhando. Uns três quilômetros, à noite, sem conhecer a cidade, perguntando na rua. Tranquila Maputo, gostei.
Reuniãozinha no campo

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Maputo, 29 de outubro de 2014.


vistas às machambas
Como era previsto, o dia hoje foi intenso. Às sete da manha me buscaram e fomos direto ao campo, depois de uma breve passagem pela Casa Agrária, uma estrutura do Governo e onde a ESSOR, ONG com a qual estou trabalhando aqui, tem um dos seus escritórios. No campo visitamos duas associações de mulheres que produzem em suas machambas hortaliças orgânicas, ou sem químicos, como eles tem se referido ao trabalho que realizam.
Machamba é uma excelente palavra para área de cultivo. Parece que também tem um sentido que engloba as áreas que somam cultivos, pátio, morada. No Brasil carecemos de uma boa palavra para estas áreas. Usamos propriedade, sítio, granja, colônia,  e tantas outras, mas nenhuma delas é precisa. Gostei de machamba.
embaixo de uma mangueira, proseando...
Em uma destas machambas cheguei e o grupo de mulheres estava plantando abóboras, rindo e cantando. Lindo. Uma música ritmada que marcava o trabalho. A letra devia ser divertida, mas desta foi que eu não entendi nada, já que elas cantavam em algumas das tantas línguas locais que se fala por aqui. Me senti na África.
Almocei na Casa Agrária mesmo, um arroz com galinha delicioso, com um tempero diferente, que se entendi bem eles chamam de caril, embaixo de uma mangueira, acompanhado da equipe da ESSOR. A tarde foi passada no escritório, conversando sobre o trabalho que eles desenvolvem de estímulo à produção e consumo de produtos orgânicos.
Nesta conversa aprendi algo absolutamente interessante. Deixa eu contar, com uma breve digressão. Quando eu e Ana saímos da faculdade, fomos estudar para um concurso do INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Vou pular tanto a parte que contextualiza este concurso, cujo resultado nunca saiu, quanto a parte das teorias sobre a razão da queda do avião no qual viajava o então presidente do INCRA, o pernambucano Marcos Freire. Vou apenas falar que uma das leituras obrigatórias deste concurso era um livro intitulado “A Crise Agrária”. O autor, Alberto Passos Guimarães, descreve neste livro as razões da profunda crise que passava, e ainda passa, o setor agrário. E argumentava com muita propriedade que a única solução seria  a terra perder seu valor de troca. Simples assim, terra não se compra e, por conseqüência, não se vende, apenas se usa. Lembro que na época achei sensacional a idéia e fiquei pensando em como isto seria impossível. Pois bem, aqui em Moçambique é assim. Não se negocia terra. 
reunido com as mulheres
Os Agricultores tem um DUAT – Direito de Uso e Aproveitamento da Terra. Depois de dez anos na mesma terra, este DUAT assume um caráter um pouco mais definitivo, a terra pode ser passada para os filhos, mas não pode vender... Sensacional, terra para quem está a fim de trabalhar nela, nada de ter ou comprar terra como reserva de valor. Parece louco né? É porque a propriedade privada se tornou de dois séculos para cá uma instituição sagrada, imexível diria o Magri, mas na história da humanidade nem sempre foi assim, pelo contrário, o uso comum dos bens naturais sempre foi a tônica.
É legal saber que as regras sociais, as Leis, são feitas por nós, não existem desde sempre e nem precisam durar mais do que o conveniente para a maioria. Parece óbvio, mas existem muitas regras que se petrificam culturalmente e acabam dando a sensação que são “naturais”. Não são.
       Devo dizer também que existem subterfúgios usados pelos detentores de DUATs para negociá-os, como por exemplo vender as benfeitorias, repassando assim os DUATs. Mas estes subterfúgios não mudam a essência, terra, como tal, não se negocia.
Mercado Municipal
À tardinha ainda tive tempo de passear rapidamente por uma parte do centro da cidade, chamado Baixa. Fui à três lugares. Primeiro, claro, no Mercado Municipal, legal, alguns produtos locais, mas só comprei um tempero picante, já era tarde e muitas bancas estavam fechando, terei que voltar para poder vê-lo com mais calma. Depois fui à Casa Elefante, uma loja, o lugar mais característico da cidade para se comprar aqueles tecidos multiusos tão típicos de vários países da África e que aqui em Moçambique chamam de Capulana. Comprei alguns, claro, mas muito difícil escolher, são centenas de motivos e ainda com variações de tamanhos e qualidade do algodão.
Terminei o dia jantando em um restaurante português, o Bella Madallena. Comi bacalhau e pastel de Santa Clara de sobremesa. Vida difícil...

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Maputo, 28 de outubro de 2014.

Visual da Baía de Maputo
Cheguei hoje a Maputo, capital de Moçambique, situada bem ao sul do país. Diretamente das eleições mais acirradas que eu vi, em qualquer nível. Achei bom sair deste clima chato que se instalou, com análises rasas e o aprofundamento em dicotomias artificiais como brancos e negros, ricos e pobres, sul e norte. Enfim, vida que segue.
Voltando a Maputo, sempre tive vontade de conhecer esta África que fala português, agora apareceu a oportunidade. Uma ONG Francesa, chamada ESSOR (http://www.essor-ong.org), desenvolve um pequeno trabalho por aqui com Agroecologia e foram eles que me convidaram para os apoiar pelos próximos dez dias. A partir de manhã irei conhecer o trabalho, visitando associações e áreas de agricultura urbana e periurbana, aqui mesmo na capital e em seus distritos.
Feira de Artesanato, Flores e Gastronomia
Hoje foi para relaxar e preparar o trabalho que começa amanhã, mas como cheguei cedo ainda tive tempo de almoçar tendo a Baía de Maputo como pano de fundo. O restaurante era internacional, não provei a comida local, mas espero ainda ter muitas oportunidades.
De tarde saí para caminhar. Fazia sol, mas não muito calor. Maputo está a uma latitude parecida com a de Torres, e justamente agora está na transição de um relativo frio para um calor que dizem é bem intenso. A cidade não é pequena, um pouco mais de um milhão de habitantes, muitos carros, mão inglesa, muitos ambulantes, muita gente. Mas não chega a ser confusa, tem um relativo ordenamento e se não chama a atenção pela limpeza, também não se caracteriza pela sujeira. Fui caminhando até um mercado de artesanato, que fica em um dos muitos Parques Municipais que eu soube existem por aqui. Alguns deles gestionados por privados, ou seja pelos restaurantes, bares, sorveterias ou qualquer atividade que se instalar no Parque. 
Show, as bolsas penduradas nas árvores
Os artesanatos são muito legais, sempre causam um impacto os motivos africanos e as esculturas feitas em ébano. Mas como eu sou chato, lamento a produção em massa de artesanato. Por definição não combina... do pouco que eu conheço da África, acho que aqui rola o mesmo que na América Latina, mudam os países, mas os artesanatos são muito parecidos. Sinal dos tempos. A arte é achar o diferente, o de boa qualidade. Mas aí são caros, e nós reclamamos... os tecidos Africanos, feitos em boa parte na Índia, lindos, daqueles que nos chama atenção, são originalmente de algodão, tingidos com corantes naturais. Agora existe profusão deles, muitas vezes sintéticos tanto o tecido quanto a tinta. Diferença de preço? De cinco a dez vezes.

Amanhã vou tentar escrever algo mais interessante... hoje foi só para aquecer. Vou dormir, prevendo uma noite de insônia, aqui são quatro horas na frente do Brasil, e este fuso já é suficiente para atrapalhar o sono de um senhor de idade...
Close em alguns dos artesanatos que vi.